Outros elos pessoais

24 setembro 2009

(19) 24/09/09


O Domingos Bihale (imagem), conterrâneo das tetenses terras, natural do planato da bela e rica Angónia, tem um blogue do qual reproduzo, de forma longa, a seguinte fotografia, uma extraodinária fotografia que não figura nos textos oficiais: "Vi uma multidão com bandeiras e panfletos nas passeatas do Planalto. Cantavam e dançavam os nossos cânticos tradicionais que suavemente e agradavelmente fluem os ouvidos de bom gosto. Estavam entre eles crianças, jovens, adultos e idosos. A maioria deles estava descalça, vestida de farrapos e os seus olhos emitiam um cansaço enorme. Tinham andado distâncias e distâncias a pé sem descanso. As suas vísceras estavam em processo ininterrupto de dilaceração movida pela fome incauta. Aquele povo era tão magrinho, tão magrinho, que parecia padecente de pneumonia aguda ou se parecia com as vacas magras no Corno de África. Vinham de aldeias longínquas para a vila onde o candidato presidencial daria o seu comício. Deparei-me de seguida com um aparato do dito cujo candidato. Desceu de um dos seus tantos objectos voadores. Dos restantes discos voadores que se pareciam com helicópteros, desceram seus acompanhantes. Aquela comitiva do “presidenciável” contrastava-se abruptamente com a manada de pessoas que tinham estado ali no campo distrital há muitas horas. Eram saudavelmente gordos, com a pele macia, vestidos de camisolas da campanha eleitoral de primeira qualidade. Bebiam água mineral e estavam sentados na tribuna…claro na sombra. Horas depois começou o candidato presidencial a lançar o seu viva viva e a população ia respondendo em uníssono. Percebia-se que a população procurava captar o que ele dizia, pois, embora não falasse a língua bela do Planalto, o intérprete tudo fazia para lhe ser fiel. Ai começou ele a explanar ao pacato povo: - Eu sou o melhor dentre os melhores. Vendi a minha juventude para salvar a pátria do jugo colonial. Fui eu quem vos dá a energia daquela barragem que agora é vossa. Construí escolas, hospitais, estradas e pontes. A comida que têm nos vossos celeiros eu é que trouxe. Eu sou quem mereço o vosso voto, a vossa confiança. Lá ia o candidato vendendo o seu peixe àquela multidão que vive de feijão e milho ou no mínimo folhas de abóbora secas, complementados com frutas silvestres. Após a explanação do “presidenciável” repetente, as faces dos meus compatriotas mergulharam-se em banho de lágrimas. O povo que acreditava que ia lá ouvir daquele candidato promessas bem luxuosas, saiu de lá desiludido. Do princípio até ao fim do comício, só recebeu relatório que já tinha recebido há bem pouco tempo quando o ora candidato tinha passado por lá na qualidade de Pulezidenti."
Adenda 2 às 10:22: quase todos nós vemos as eleições como uma competição entre actores em igualdades de circunstâncias. Essa leitura ingénua - mas intencional em muitos ideólogos - esconde que o exercício e a manutenção do poder implicam uma luta permanente ao nível do aparelho ideológico e que este aparelho - aos níveis macro e micro - tudo fará para, justamente, ao nível discursivo, defender a paridade situacional (embelezada com valores éticos, apelos aos valores supostamente colectivos, universais, nacionais, etc.) e escamotear a desigualdade flagrante na distribuição de recursos, de bens e de atributos como acesso privilegiado à riqueza, gestão da burocracia, posição, postos, cargos e bens do Estado, privilégios, etc. Transformar a defesa do particular em valores gerais, universais, supostamente por todos partilhados, é a coluna vertebral da ideologia dos detentores políticos do poder, não importa onde nem quando.
Adenda 3 às 11:51: seria interessante estudar por quê e como os partidos e líderes mais agressivos, mais combativos, mais enérgicos, são catalogados por quem sente o seu poder disputado, estudar a panóplia de temas discursivos que lhes são dedicados, estudar as formulações de receio (explícito e implícito) e perigosidade, o conteúdo ilocutório imediato, etc.
Adenda 4 às 12:22: a história está cheia de exemplos de grupos que usaram a violência sistemática para chegarem ao topo político e que, uma vez aí, fazem do apelo ao pacifismo, à colaboração, à concordância, uma das suas regras mais liminar e ideologicamente samaritanas.
Adenda 5 às 13:09: depois da Frelimo, é agora a vez de a Renamo usar a lança ideológica da estatística: o seu porta-voz, Fernando Mazanga, afirmou em conferência de imprensa que o seu partido atingiu 85% do eleitorado de um universo de dez milhões de potenciais votantes em dez dias de campanha. Os resultados eleitorais talvez tragam surpresas para certos círculos amantes de estatísticas-caterpillar.
Adenda 6 às 13:25: quando, ao nível da elite gestora do poder político, um candidato (individual ou colectivo) é considerado perigoso, é sentido como perigoso, toda uma enorme máquina de propaganda surge para lhe dar o estatuto do grande Mal, do inferno. Por que é esse candidato considerado perigoso? Porque apresenta indícios de que poderá pôr em perigo a gestão patrimonial do poder político e dos seus réditos.
Adenda 6 às 13:35: haverá que estudar as mensagens, repetidas ad nauseam, que afirmam de certas pessoas que elas são as únicas - porque messias - capazes de salvar o país. Reclamar a totalidade da verdade ou a perfeição absoluta da chave que abre a defendida única porta do futuro tem sido sempre um problema na história e através dela muito sangue tem corrido.
Adenda 7 às 16:02: teremos de nos interrogar sobre por que razâo (ões) 2009 foi e é um ano vincadamente político e ideológico. A relação com as eleições e com uma espécie de sede de hegemonia total não pode ser excluída entre as hipóteses macro.
Adenda 8 às 16:09: no "Canal de Moçambique" online de hoje: "Tendo em conta as inúmeras exclusões parciais ou totais de partidos e coligações promovidas pela CNE, um semanário que se edita em Maputo denunciou esta semana um “partido”, PLD (Partido de Liberdade e Desenvolvimento), de nem sequer ter existência legal e ter passado no crivo da CNE. O jornal chega mesmo a chamar-lhe “o partido da CNE”. O tal partido, é acusado pelo jornal de não ter estatutos publicados no Boletim da República e, sendo assim, ser manifestamente ilegal. E escreve o jornal que mesmo assim foi admitido pela CNE a concorrer em 10 círculos eleitorais (excepto na Zambézia a que nem se quer concorreu) dos 11 nacionais. Este caso veio a empolgar ainda mais as atenções da opinião pública sobre a questão das exclusões de inúmeros partidos e coligações pela CNE. E suscita agora ainda mais atenção sobre a decisão que o Conselho Constitucional possa vir a tomar."
Adenda 9 às 16:12: professores não páram nas escolas de Nampula neste período de campanha eleitoral. Saiba por quê segundo o "Canal de Moçambique" online de hoje, aqui.

8 comentários:

  1. Claro.
    Mas ao fim de duas semanas de campanha temos pessoas confortadas ao afirmarem que estatisticamente tinham cumprido com o número de pessoas ouvintes do seu manifesto politico.
    Essa do Afonso não engana ninguém. Ele sabe que um dos candidatos nunca vai aceitar esse confronto, tal como ele mesmo.
    Uma frase interessante do Presidente da FRELIMO em Mandimba, salvo erro e ouvida na TVM:

    A lei obriga que os partidos politicos tenham nas assembleias de voto os seus fiscais. Deve ser garantido que isto seja assim.

    Porque será? Pressão?
    Já agora professor: isto de utilizar um ex-presidente para fazer também campanha não baralha uma população onde a valoração do poder está muito centralizado?

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  2. Dr serra nao acha que os academicos nacionais nao estao a desempenhar a sua contribuicao neste momento tao especial.tenho visto nos debates publicos principalmente em volta da crise criada pela CNE e no actual casamento Frelimo/Renamo plateias ocupadas apenas por engraxadores que nao so nao trazem mais valia ao debate como tambem nao trazem o verdadeiro pacote politico do seu partido ,as suas contribuicoes giram mais em torno das figuras presidenciaveis .embora seja necessaria a participacao publica ,por razoes de tempo nao seria bom trazer academicos das ciencias sociais ,politicas ,juridicas ,economicas e esses antes tivessem acesso dos manifestos politicos e na presenca dos representantes dos partidos fizessem questionamentos reais o que de alguma forma dariam ao publico uma chance de melhor endendimento.
    sempre que vejo um canal nacional fica-me a sensacao de que as estatisticas que dizem termos academicos a centenas nao ser verdadeira

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  3. Talvez falte fazer um dia um estudo sobre os académicos...

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  4. Sobre o uso de um ex-presidente: para lhe responder teria de estudar percepções populares, coisa que não fiz.

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  5. "um estudo sobre os académicos"

    Seria muito interessante, MESMO.

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  6. sabia que foi bloqueiado o link contendo informacoes sobre as listas das assembleias provinciais , ai poderia-se rapidamente ver em numero os partidos que foram admitidos mesmo com a lista incompleta
    tente na pagina http://www.stae.org.mz/pages/cne/deliberacoes.php
    clicar sobre
    CNE-Deliberação n.º 66, aprovação das Listas definitivas das AP

    mas se clicar no CNE-Deliberação n.º 65, aprovação das Listas definitas para AR e AP.PCNE ai o problema nao existe é o documento tambem nao ;é comprometidor

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  7. estudar os estudiosos...

    estudar os estudiosos que contribuiram para o conhecimento...

    estudar os estudiosos que nao contriuiram para o conhecimento...

    estudar os estudiosos que fazem muito...

    estudar os estudiosos que nada fazam...

    estudar os estudiosos que sao parasitas...

    estudar os estudiosos brilhantes...

    vai ser animado.

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  8. De facto, há muita coisa que não estudamos, mesmo muita. Por exemplo, a antropologia dos académicos e dos laboratórios de pesquisa é rotina em alguns países, mas desconhecida entre nós. Obrigado pela referência sobre o STAE.

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