Ora, o problema central da gestão de pessoas e de coisas é que ela passa por uma coisa imediata e permanente: a dos recursos de poder. A burocracia é uma cadeia diversificada de gestão útil e estratégica de recursos de poder fundamentais, gestão que pode variar segundo épocas históricas e culturas nacionais, com maior ou menor coeficiente de Estado. Por hipótese, defendo que quanto mais jovem for a experiência do Estado num país, mais robusto e visóvel será o peso da burocracia enquanto teia de relações de poder, de gestão de recursos necessários, de clientelismo plural. Por hipótese, defendo que a burocracia no sentido corrente (conjunto de actos que impedem a resolução célere dos problemas) é, frequentemente, uma gestão clientelista calculada, uma gestão estratégica e útil de recursos de poder (preeminência social, prestígio, monitoria de redes cientelistas, punção de imposto complementar, etc.). Muitas vezes o problema não está em que os funcionários não saibam fazer as coisas ou que sejam preguiçosos: o problema está, antes, em que eles sabem muito bem fazer as coisas e têm uma habilidade admirável na gestão criteriosa e remuneradora dos recursos. Por isso é, regra geral, difícil desburocratizar a burocracia. Por hipótese, ela faz parte do jogo normal, tenso e desigual, da vida social, o jogo das relações de poder em campos múltiplos. Assim, a mentalidade de muitos funcionários é não retógrada, mas agudamente moderna e jogadora. Infelizmente, não temos aqui, como em tantos outros casos, a sociologia empírica dos estudos de caso, aquela actividade sociológica rotineira que consiste em passar meses inteiros estudando instituições e processos (sobre isso já escrevi, tempos atrás, neste diário). Podíamos fazer estudos como os feitos, por exemplo, por Michel Crozier, sobre a burocracia francesa.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
Outros elos pessoais
06 agosto 2009
Burocracia utilmente burocrática (2)
Ora, o problema central da gestão de pessoas e de coisas é que ela passa por uma coisa imediata e permanente: a dos recursos de poder. A burocracia é uma cadeia diversificada de gestão útil e estratégica de recursos de poder fundamentais, gestão que pode variar segundo épocas históricas e culturas nacionais, com maior ou menor coeficiente de Estado. Por hipótese, defendo que quanto mais jovem for a experiência do Estado num país, mais robusto e visóvel será o peso da burocracia enquanto teia de relações de poder, de gestão de recursos necessários, de clientelismo plural. Por hipótese, defendo que a burocracia no sentido corrente (conjunto de actos que impedem a resolução célere dos problemas) é, frequentemente, uma gestão clientelista calculada, uma gestão estratégica e útil de recursos de poder (preeminência social, prestígio, monitoria de redes cientelistas, punção de imposto complementar, etc.). Muitas vezes o problema não está em que os funcionários não saibam fazer as coisas ou que sejam preguiçosos: o problema está, antes, em que eles sabem muito bem fazer as coisas e têm uma habilidade admirável na gestão criteriosa e remuneradora dos recursos. Por isso é, regra geral, difícil desburocratizar a burocracia. Por hipótese, ela faz parte do jogo normal, tenso e desigual, da vida social, o jogo das relações de poder em campos múltiplos. Assim, a mentalidade de muitos funcionários é não retógrada, mas agudamente moderna e jogadora. Infelizmente, não temos aqui, como em tantos outros casos, a sociologia empírica dos estudos de caso, aquela actividade sociológica rotineira que consiste em passar meses inteiros estudando instituições e processos (sobre isso já escrevi, tempos atrás, neste diário). Podíamos fazer estudos como os feitos, por exemplo, por Michel Crozier, sobre a burocracia francesa.
2 comentários:
Seja bem-vinda (o) ao blogue "Diário de um sociólogo"! Por favor, sugira outras maneiras de analisar os fenómenos, corrija, dê pistas, indique portais, fontes, autores, etc. Não ofenda, não insulte, não ameace, não seja obsceno, não seja grosseiro, não seja arrogante, abdique dos ataques pessoais, de atentados ao bom nome, do diz-que-diz, de acusações não provadas e de generalizações abusivas, evite a propaganda, a frivolidade e a linguagem panfletária, não se desdobre em pseudónimos, no anonimato protector e provocador, não se apoie nos "perfis indisponíveis", nas perguntas mal-intencionadas, procure absolutamente identificar-se. Recuse o "ouvi dizer que..." ou "consta-me que..."Não serão tolerados comentários do tipo "A roubou o município", "B é corrupto", "O partido A está cheio de malandros", "Esta gente só sabe roubar". Serão rejeitados comentários e textos racistas, sexistas, xenófobos, etnicistas, homófobos e de intolerância religiosa. Será absolutamente recusado todo o tipo de apelos à violência. Quem quiser respostas a comentários ou quem quiser um esclarecimento, deve identificar-se plenamente, caso contrário não responderei nem esclarecerei. Fixe as regras do jogo: se você é livre de escrever o que quiser e quando quiser, eu sou livre de recusar a publicação; e se o comentário for publicado, não significa que estou de acordo com ele. Se estiver insatisfeito, boa ideia é você criar o seu blogue. Democraticamente: muito obrigado pela compreensão.
Professor,
ResponderEliminarSugeria que estas postagens de assuntos científicos como é o caso deste "Burocracia ultimante burocrática" fossem colocados no Bricolando ou que fossem enciados nos e-mails de quem lá se registou. Assim, de modo particular, dão-me tempo para ler com vagar durante à noite, pois é nesta altura em que eu fico a triturar os livros (leitura). Claro, é apenas uma ideia!
Um abraço
Segui o conselho, obrigado.
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