Outros elos pessoais

27 dezembro 2008

Sobre o estado da nação

O presidente Armando Guebuza apresentou o seu informe anual de 39 páginas à Assembleia da República (AR), um informe vincadamente de natureza descritiva e quantitativa, com a particularidade de ter começado pelo desporto e a este tema ter dedicado tempo considerável. O estado da nação é bom, concluiu o Presidente. Como se tornou clássico no país, membros da Frelimo consideraram que o informe reflectia a realidade do país e membros da Renamo disseram o contrário, que o informe não reflectia a realidade e que estado da nação é mau.
Tanto quanto se pode perceber do que disseram os membros da Renamo e, em particular, a chefe da sua bancada na AR, Maria Moreno, o estado da nação não pode ser bom quando há problemas criminais graves e disso o discurso presidencial foi omisso.
A forma como analisamos algo como bom ou mau depende sempre do prisma que adoptamos e da posição que ocupamos nas relações políticas. No caso vertente, a Renamo cumpriu o seu papel institucional de partido na oposição: disse maquinalmente o contrário do rival e coroou a sua posição abandonando a sala da AR.
Mas há algo mais profundo. Definir o estado da nação como mau exige instrumentos analíticos bem mais finos do que aqueles usados pela Renamo, exige uma capacidade bem mais vasta do que aquela que consiste em tomar os títulos dos jornais como instrumentos de qualificação ou fazer da fuga de Anibalzinho e da morte dos polícias a razão de ser da crítica. A Renamo teria prestado ao país um serviço bem mais consequente se tivesse sido capaz de analisar, em profundidade, a produção e a reprodução das desigualdades sociais em curso no país no modelo capitalista e, a partir deste ponto focal, inserir e tratar o problema da criminalidade. O que não fez. Independentemente do que um ou outro dos seus militantes possa sustentar de diferente, o geral do partido parece claramente filtrado pela postura acomodatícia centro/direita tão de agrado do seu presidente, Afonso Dhlakama. Partidos da direita não analisam desigualdades sociais: homologam-nas e silenciam-nas. E se nelas entram, fazem-no pelo fait divers.
E aí estamos diante de um fenómeno triste: o da ausência de uma oposição inteligente, verdadeira e analiticamente combativa, de uma oposição claramente opositora e popular que subverta os partidos indigentes, esclerosados pela falta de originalidade e a reboque das esmolas analíticas do partido no poder ou transformados em suas marionetas ridículas, como é caso do Pimo de Yá-Qub Sibindy (sobre este último, leia o que disse no "O País" de ontem, p.6). É neste sentido que a nossa oposição política tem o histórico e subserviente mérito de unicamente apoiar a Frelimo no preciso momento em que julga estar a fazer o contrário.
Adenda: a vermelho estão partes hoje introduzidas, 28/12/08.

6 comentários:

  1. Gostei do comentário e da análise e concordo plenamente.

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  2. Concordo “de pleno” com a análise do Dr. Serra. Mas a (minha) derradeira questão é de saber se perante esta despida impotência da oposição isso justifica que o PR faça uma análise reducionista do problema da segurança pública? É por causa de uma oposição frágil que o PR deve manietar o povo, sublinhando os seus feitos e piscando ao lado para as suas fragilidades? Sinceramente, não me parece que a vida política apenas deva depender da actuação (boa ou má) dos partidos. Recomenda-se que um PR seja equidistante das querelas partidárias e que faça uma radiografia fria, objectiva e real do nosso país. Não foi o que aconteceu. Salvo erro, este ano, o PR de São Tomé, humildemente admitiu que falhou nas principais questões da sua governação, e não “saiu mal na fotografia”.

    Hermenegildo Chambal

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  3. O Presidente fez o discurso que convinha e convém.

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  4. "Pode-se enganar algumas pessoas todo o tempo; Pode-se enganar todas as pessoas algum tempo; mas não se pode enganar todas as pessoas todo o tempo!" Abraham Lincoln, ex-presidente dos EUA.

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  5. foi pessimo o informe
    nao trouxe nada de novo
    muitos floreados e poucas ou nadas propostas para resoluçao dos problemas.
    O inquerito da STV demonstrou uma grande rejeiçao pela parte dos Moçambicanos
    canivete

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  6. O reparo do primeiro leitor anónimo obrigou-me a rever o texto e a introduzir curtas adendas, assinaladas a vermelho.

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