Outros elos pessoais

08 novembro 2008

Quem não é mulato? (6) (a propósito de Barack Obama)

Vamos lá prosseguir um pouco mais esta série.
O tema é a racialização do social, a forma obstinada como nos relacionamos com os outros em função da cor da sua pele, em função dos sinais positivos ou negativos que atribuímos a uma raça, a forma como partimos da certeza de que a raça existe, de que ela preexiste às relações sociais, de que é dado natural, absoluto.
Existem múltiplos processos de categorização racial. Existem múltiplas causas, conscientes ou não, à retaguarda desses processos. Existem múltiplas formas de racismo, imediato ou subtil. Mas creio ser possível dar alguma ordem à multiplicidade de processos e de laços geradores e reprodutores da racialização.
Os seres humanos não nascem egoístas, racistas ou étnicos. Eles tornam-se nisso devido às lógicas combinadas de três fenómenos: interacção social, disputa de recursos de poder e educação. É aqui que se tecem os sistemas de referência e os meandros categoriais, é aqui que crescem, se consolidam e se tornam naturais, naturalizados, os caminhos da alteridade, que se desenvolvem o racismo e a sua parente, a etnicidade (ou etnicismo, se preferirem, forma de racismo sem raça como no trágico binómio Tutsi/Hutu), é aqui que o bom senso deixa de ser, como queria Descartes, a coisa melhor partilhada do mundo.
O racismo é uma forma elementar de interacção social e não um exercício fenotípico de origem, não sendo mais do que um subproduto de um mesmo fenómeno político: a luta inter-grupos pelo acesso privilegiado a recursos de poder raros ou assim julgados. Por outras palavras, o racismo nasce por causa deles e não antes. Poder? Poder não é uma "coisa", mas a capacidade de um grupo conseguir que nas suas relações com outro grupo ou com outros grupos os termos de troca lhe sejam favoráveis. Para chegar a essa situação de "direitos adquiridos", os actores munem-se de recursos estratégicos, recursos de poder, como sejam: controlo dos aparelhos do Estado, normas, valores, estatuto social, riqueza material, honra, formação escolar, anterioridade de chegada a um território, interpretação da história, etc.
Sugestão: já agora, leiam o Ivan Teixeira sobre a posição da Ku Klux Kan em relação a Barack Obama, aqui.

15 comentários:

  1. Afinal, na América, nem tudo o que não é exclusivamente branco, nem tudo o que não é "puro", é negro, conforme o KKK:

    "Afirmam ainda, os vetustos e fossilizados KKK's, que Obama não representa um perigo supremo porque não é totalmente negro, mas sim "mulato", e ainda, por não ter convivido entre negros (seu pai retornou para a África e Obama ficou com a mãe branca) mas entre brancos"

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  2. Professor desculpa vir com um assunto diferente mas vi na televisão hoje o Professor falando que há um livro seu chamado Tatá Papá Tatá Mamã e mais outro sobre linchamentos. Onde posso os comprar?

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  3. Um exercício: imaginemos que o pai do Obama fosse branco e a mãe fosse negra: teria o Obama chegado onde chegou?

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  4. Quem abandonou o Obama é quem canta mais vitória...

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  5. Olá. Quanto ao leitor que me pergunta sobre os livros, farei ainda hoje uma postagem alusiva. Quanto ao leitor do exercício, a minha resposta é: não sei. Mas, já agora: qual a sua opinião?

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  6. O sucesso do Obama deve-se à qualidade da educação e instrução que recebeu. Em geral, é a mãe que mais se preocupa com os filhos. Se a mãe fosse negra, seria mais difícil colocar o Obama num ambiente cultural que lhe permitisse chegar a presidente de um país como os Estados Unidos.

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  7. Não estou certo do que propõe. Mas é uma contribuição em relação àquele que já é um dos maiores ícones do século, Obama.

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  8. Prof. Serra

    Tenho uma questão a colocar, pedindo antecipadamente desculpa se for fora de contexto.

    Então é assim:

    Barak Obama, democrata, próximo presidente dos USA;

    USA a maior potência mundial, na m/opinião, a única grande potência;

    que vai querer continuar, mesmo com a mudança de Presidente, a sê-lo, e vai lutar por isso, embora, provavelmente, com outros métodos -mas os fins, os mesmos;

    B. Obama vai ter decisões muito difíceis em relação a muitas potências, Rússia, Irão, provavelmente a China, etc

    Imaginemos, que Obama terá que dar um valente murro na mesa, para não perder a face

    e toma uma decisão de abrir uma frente de guerra, por exemplo com o Irão - guerra a sério, muito destrutiva.

    Pergunto:

    - Essa guerra será "santa", "boa"

    - Ou podemos manifestar-nos “USA go home”

    sem sermos acusados de ser racistas!

    Será que nos inibiremos de censurar os USA, num hipotético cenário bushiano, só por causa de Obama.

    Obrigado.

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  9. Resposta fútil: coisas previstas e imprevistas irão passar-se.Quais, não sei.

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  10. O que me leva a pressupor que a questão por mim colocada foi fútil.

    Enquadremos a questão num âmbito mais restrito.

    A política externa dos USA é de Estado.

    As nuances “serão” pequenas.

    Apenas para as coisas PREVISTAS, as meramente previstas, se houver uma atitude dos USA, à moda dos cowboys, ou bushiana, será que uma crítica dos sectores mais activos da sociedade mundial, os que costumam, e outros, actualmente, criticar os USA,

    sê-la-á sem inibições?

    Ou ficarão inibidos, mais condescendes, porque poderão ser confundidos com racistas,

    e apenas porque o inquilino da casa branca é outro.?

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  11. "O sucesso do Obama deve-se à qualidade da educação e instrução que recebeu. Em geral, é a mãe que mais se preocupa com os filhos. Se a mãe fosse negra, seria mais difícil colocar o Obama num ambiente cultural que lhe permitisse chegar a presidente de um país como os Estados Unidos."

    Será que o caro anónimo propõe que a mulher negra não pode dar educacão e intrucão de qualidade aos seus filhos?

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  12. » Obrigado Professor, finalmente temos o significado do seu neologismo RACIALIZAÇÃO: “ forma obstinada como nos relacionamos com os outros em função da cor da sua pele, em função dos sinais positivos ou negativos que atribuímos a uma raça, a forma como partimos da certeza de que a raça existe, de que ela preexiste às relações sociais, de que é dado natural, absoluto.”

    Permita-me divagar:

    » Disse Einstein, “ … todas as teorias deveriam prestar-se a uma descrição tão simples que até uma criança as pudesse entender”,

    ou seja, provavelmente, o exótico pai da relatividade simplificaria a descrição do neologismo, da forma seguinte:

    RACIALIZAÇÃO = PRECONCEITO (conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou razoável).
    ______________

    » Quanto a Raças, simplifiquemos: há, efectivamente, apenas UMA: a Raça Humana = conjunto de TODOS os homens (… e mulheres também!).

    » Mas, os homens do saber, os Cientistas, entenderam que na Raça Humana há indivíduos com determinadas diferenças morfológicas e epidérmicas. Convencionaram então, para efeitos de estudos vários, agrupá-los segundo um palavrão a que chamaram Fenótipos (aspecto de um organismo considerando determinados caracteres dentro do campo da hereditariedade). E assim nasceram as SUB-raças, branca, negra, amarela, etc., e todos os hibridismos que as integram – nuances que, em regra, lhe acrescentam beleza. Há hibridismos que resultam espantosas obras de arte!

    Assumindo este conceito Académico, é obvio que as sub-raças preexistem às relações sociais. Há em cada um de nós uma tremenda carga hereditária – que não pedimos, não podemos renunciar, mas carregaremos do nascer ao morrer. Neste quadro, a personalidade de cada um de nós é, em regra, fortemente influenciada pelo meio em que crescemos, nos tornamos adultos. Temos a razão, que pudemos moldar, para equilibrar nossos comportamentos

    Um abraço,
    _______
    Germana

    » Para o anómimo que coloca a questão da mãe branca / mãe negra, entendo que o fundamental está no nível de formação e meio em que crescemos: os pais de Obama conheceram-se na Universidade; Obama e a mulher conheceram-se na Universidade; as filhas de Obama, provavelmente, irão conhecer seus futuros maridos na Universidade, em locais de trabalho ou no seio de grupo de amigos com níveis de desenvolvimento académico e social equiparado e interesses comuns.

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  13. Claro que a mulher negra pode perfeitamente dar educacão e intrucão de qualidade aos seus filhos. Apenas lhe seria mais difícil (não impossível), e no caso dos Estados Unidos, proporcionar educação e instrução de modo a obter um "resultado cultural" Obama, que "navega como peixe na água" entre os brancos, ao ponto de conseguir obter destes os votos que lhe conduziram à vitória.

    Note-se que em Moçambique Obama poderia ser PCA de uma empresa qualquer, mas não mais do que isso - e mesmo assim, não deixaria de ser um mulato - um mulato assimilado.
    É como diz, Germana: o fundamental está no nível de formação e meio em que crescemos. Acrescentarei: "e onde depois vivemos".

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  14. Podemos manifestar-nos “USA go home” - Obama não é Mugabe

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  15. Obrigado Sr. Anónimo das 12:03 AM

    Já estou mais aliviado.

    O silêncio é muito pesado!

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