Sabem, não tenho jeito para a culinária de sociologia de manual. Querem que vos prove isso? Aí vai, em jeito de notas rápidas.
Acho que a coisa mais sociológica que podemos sugerir aos estudantes é, exactamente, a coisa menos sociológica: cabelos, pés, mãos, narizes, orelhas, etc. Há tempos iniciei com os meus estudantes não uma lição sobre o chatérrimo Parsons ou o elegante Bourdieu, mas uma lição-pesquisa colectiva sobre mechas, as mechas das mulheres. Hipóteses lançadas: é possível fazer a história do país pelas mechas, a sociologia do país pelas mechas, a alegria e tristeza do país pelas mechas, a moda do país pelas mechas, os processos de cruzamento cultural pelas mechas. Resultado: as mechas são coisas pelas quais criamos uma ponte para a sociologia, para as mechas enquanto fenómeno social total. Foi pelas mechas, mas podia ter sido pelos pés ou pelos lábios. Tudo isso, lábios, pés, mãos, coisas do corpo, são unicamente pré-condições do social. As mulheres não existem enquanto tais, apenas existem enquanto construções sociais. Pelas mechas, por exemplo. Ou pelos sapatos. Ou, como quase sempre, pelas gramáticas masculinas, pelos prontuários androcêntricos. O pé só é sociológico se inscrito num sapato. E os sapatos variam, os sapatos dos presidentes dos conselhos de administração do país não são os sapatos e os chinelos do Xiquelene, os sapatos das deputadas não são os sapatos das mamanas do Xipamanine ou os chinelos das camponesas do Zóbuè. Os cabelos variam, cabelos-preços variam, mãos-manicure são uma coisa, as outras mãos são outra, tudo varia, tudo varia socialmente, estatutariamente, desigualmente. Temos de conhecer as regras, as chaves de acesso, os fios de Ariadne. Mas esperem, quem disse que os pés são meros apêndices carnais? Os pés também variam pelo tratamento que lhes damos, tratamento social, etc. Bem, pausa.
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