Outros elos pessoais

05 julho 2008

As mãos africanas de Pilatos (9) (continua)

A ZANU-PF soube exactamente como fazer as coisas no Zimbabwe: não tendo apoio popular tal como as parlamentares e a primeira volta da eleição presidencial claramente mostraram, transformou a segunda volta da eleição presidencial de 27 de Junho numa dupla operação: militar no terreno e fraudulenta nas urnas. A violência, a intimidação e a fraude foram a base da vitória rápida de Robert Mugabe, corolário de uma contagem de votos não menos rápida e previamente preparada. Tudo isso está documentado (recorde aqui e aqui). Ilegítimo, mas forte de um cesarismo reassegurado com o biombo de eleições auto-classificadas como defesa da soberania nacional, Mugabe foi, poucas horas depois do anúncio dos resultados, aos 84 anos, investido pela elite castrense da ZANU-PF para mais um mandato presidencial, tendo de seguida partido para o Egipto, onde se realizava a cimeira da União Africana.
No Egipto, a quase totalidade dos Estados africanos decidiu não só receber Mugabe como presidente como, também, sugerir, placidamente, que para o Zimbabwe se aplicasse a fórmula política do Quénia, a qual consiste no seguinte: manter os detentores do poder com a distribuição de algumas fatias à oposição, sob a fórmula ditirâmbica de "governo de unidade nacional".
Procedendo dessa dupla maneira, tornando africanas as mãos de Pilatos, a União Africana homologou a violência, a ilegalidade e a impunidade, abrindo claramente um precedente para o futuro: doravante em qualquer Estado uma determinada elite pode fazer o mesmo que a ZANU fez no Zimbabwe, pois não será condenada, tendo apenas que, em última instância, quenianizar um pouco a gestão do Estado. Temos, assim, fortes e inquietantes indicadores do regresso das tiranias sob forma de neo-tiranias, apoiadas por corpos bem treinados de aparatchiques predadores, filtrados pela farsa das eleições e seguras de que manterão o poder.
Como explicar o comportamento da União Africana? Como explicar a sua cumplicidade, a sua bonomia?
Existem, quanto a mim, três hipóteses de explicação:
1. O companheirismo em si, produto de independências recentes, com a fórmula "come on, o colonialismo uniu-nos, não podemos esquecê-lo, é preciso compreender".
2. O camaradismo político, produto de caminhadas comuns (lutas de libertação, por exemplo), com a fórmula "come on, sofremos na luta, é preciso compreender".
3. O parceirismo da mão estrangeira, produto treinado de lógicas de imputação politicamente útil, com a fórmula "come on, é o Ocidente que sempre exagera tudo e orquestra problemas entre nós".
Nota: afinal só termino no próximo número...Saiba, entretanto, que em qualquer altura posso introduzir alterações no presente texto, o que, caso aconteça, será assinalado a vermelho. Finalmente, recomendo-vos a leitura do editorial do semanário "Savana" desta semana, com o título "Porque é que o MDC deve rejeitar um Governo de unidade nacional com a Zanu-PF".
Adenda: entretanto, o presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, personagem-chave da diplomacia silenciosa, encontra-se de novo no Zimbabwe para negociações com Mugabe e com a oposição. Confira aqui.

3 comentários:

  1. Maybe one could add a fourth factor, The African Big Man or Madala complex. Mugabe is/was a respected, old man, he personifies the "African leader(chief" and hence, a lot of younger peers do not dare to oppose him.

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  2. "Eu posso não concordar com algumas coisas do Presidente Chávez, mas há uma coisa que faço minhas as palavras do presidente Chávez, é que a política não está ao serviço da economia. A economia é que tem que estar ao serviço da política", afirmou Alberto João Jardim.
    "Posso discordar de outras coisas, mas ele tem razão nisto", declarou, acrescentando que "a maneira como se faz é que se pode discutir, mas que o mundo se esqueceu que as populações não são números".
    http://ww1.rtp.pt/noticias/index.php?article=353628&visual=26&tema=2

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