Outros elos pessoais

03 julho 2008

As mãos africanas de Pilatos (8) (continua)

E prossigo a série.
Como já disse várias vezes neste diário, estamos a lidar não tanto com um tiranosáurio - Robert Mugabe - mas com um regime predador e totalmente militarizado.
Ora, a eleição presidencial de 27 do mês passado no Zimbabwe mostrou que a violência e a intimidação (nem sequer quero falar da gestão privativa das urnas e dos votos) estiveram claramente à retaguarda de todo o processo eleitoral. Essa violência e esssa intimidação não são fenómenos conjunturais, mas estruturais. É através deles que o regime se reproduz.
Mas, ao mesmo tempo, o que se passou a 27 de Junho no Zimbabwe mostra que as eleições podem ser unicamente uma alavanca destinada a permitir acomodações elitárias posteriores e de recurso em prejuízo do voto popular, acomodações que visam fundamentalmente assegurar a manutenção da elite gestora com distribuição entorpecente de alguns réditos à elite concorrente. Aconteceu no Quénia, creio que virá a acontecer no Zimbabwe. A alma digamos que monárquica, monopólica, não desaparece, apenas muda de forma, adapta-se a novas realidades.
E perante os dois fenómenos assistimos, salvo algumas excepções, a uma enorme complacência continental, como a cimeira africana do Egipto revelou. O fundamental é que as partes conflituantes se entendam. Se entendam em quê? Na forma como hão-de partilhar a gestão do Estado. E os votos dos povos, como aqueles que ocorreram na primeira volta das eleições no Zimbabwe? Esses, que se lixem. E a violência continuada, o terror ano após ano, os feridos, as mortes, o tipo de governação? Que se lixem também, o fundamental é negociar a partilha do poder. E aqui está o problema das mãos africanas de Pilatos, aqui está um dos dilemas da democracia. Sabem, um dos comentários que Napoleão escreveu ao O Príncipe de Maquiavel tem o seguinte teor: “Saber-se-á o abecê da arte de reinar quando se ignora que desagradar pouco dá o mesmo o mesmo resultado que desagradar muito?”.
Nós aqui em Moçambique alinhamos aparentemente pelo mesmo diapasão negocial no tocante ao Zimbabwe, colocando na penumbra o terror pré-negocial, o tipo de governação. Por quê? Tentarei responder no último número desta série.

2 comentários:

  1. I am looking forward that one, Carlos!
    Estou sempre aguardando.

    ResponderEliminar
  2. Hoje farei sair, no último número da série.

    ResponderEliminar

Seja bem-vinda (o) ao blogue "Diário de um sociólogo"! Por favor, sugira outras maneiras de analisar os fenómenos, corrija, dê pistas, indique portais, fontes, autores, etc. Não ofenda, não insulte, não ameace, não seja obsceno, não seja grosseiro, não seja arrogante, abdique dos ataques pessoais, de atentados ao bom nome, do diz-que-diz, de acusações não provadas e de generalizações abusivas, evite a propaganda, a frivolidade e a linguagem panfletária, não se desdobre em pseudónimos, no anonimato protector e provocador, não se apoie nos "perfis indisponíveis", nas perguntas mal-intencionadas, procure absolutamente identificar-se. Recuse o "ouvi dizer que..." ou "consta-me que..."Não serão tolerados comentários do tipo "A roubou o município", "B é corrupto", "O partido A está cheio de malandros", "Esta gente só sabe roubar". Serão rejeitados comentários e textos racistas, sexistas, xenófobos, etnicistas, homófobos e de intolerância religiosa. Será absolutamente recusado todo o tipo de apelos à violência. Quem quiser respostas a comentários ou quem quiser um esclarecimento, deve identificar-se plenamente, caso contrário não responderei nem esclarecerei. Fixe as regras do jogo: se você é livre de escrever o que quiser e quando quiser, eu sou livre de recusar a publicação; e se o comentário for publicado, não significa que estou de acordo com ele. Se estiver insatisfeito, boa ideia é você criar o seu blogue. Democraticamente: muito obrigado pela compreensão.