Outros elos pessoais

12 maio 2008

Brasil (17) - Cheiros de São Paulo

Hoje foi dia de cheirar São Paulo. Siga-me, está bem?
Fui directo ao Parque D. Pedro II, descendo pela Rua Augusta.
Ali, na terminal do ónibus, caminhei para o Mercado Municipal.
Antes de lá chegar, o preâmbulo: azáfama, mercado informal, vendo tudo, curo tudo, gente do desenrasca, gente simples, piso escuro, lixo, vida em proa, vida táctil, vida intensa, vida dos sentidos cercada pela intensidade do vai-parte-chega dos ónibus, palavra ágil na extremidade de cada coisa vendida, de cada contacto feito. Passo rápido, passeios de vida, lojecas de todo o tipo, gente de tronco nu, mundo especialmente masculino, gente sentada, sempre bula-bula, impressiona-me esta gente dada, de palavra fácil, palavra-ponte. Sinto-me em Maputo, ali no Alto-Maé, no Xiquelene, no Estrela.
Depois, subitamente, o Mercado Municipal, majestoso edifício cuja história remonta a 1924. Entro, lá dentro imediatamente fixo a sobriedade, as colunas, os vitrais. Ali, aqui é mundo de outra ordem sensorial, de outra ordem de gestão das coisas, de estar na vida.
O que há lá dentro? Lá dentro temos, no rés-do-chão (o primeiro andar é dos restaurantes), um extraordinário mundo de fruta, vegetais, proteína e estética do cheiro. Fixo os cheiros, tatuo-me neles, ancoro-me na excepcional combinação de cheiros de todos os tipos, da fruta local ou estrangeira, dos vegetais, dos queijos, dos presuntos, do bacalhau, das comidas das lanchonetes, das múltiplas carnes, dos enchidos, das especiarias, das coisas que nos dão a provar, tudo asseado, nada de cheiros extremos, cada cheiro de cada coisa está unicamente na coisa mestiça de ser, eclética. Nada daquele mundo odorífero está parado, tudo é movimento, eu emigro-me, viajo pelo mundo pelo olfacto sem sair do Brasil e de São Paulo, aqui, onde o mundo vendedor é mestiço: homens e mulheres, de uma cordialidade aberta, mas sóbria, controlada.
E quem é a gente que está ali dentro, a gente compradora? A gente que está ali dentro não é mais a gente povo, é a gente classe média, classe alta, gente de fala diferente, de organização espacial diferente, de andar diferente, de fala diferentes, domnesticada. E tudo em meio a uma segurança total, visível nos guardas presentes.

3 comentários:

  1. fantastico retrato, gostava de ser capaz de cheirar e sentir o que descreves

    jokas

    Paula

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  2. Me transportei nos risos, cheiros e gentes... sinto as falas e as estações... as cores e o ligeiro frio desse país tropical. Cores... Hummm... Quase desfilo por entre as palavras que escreves. O corpo cria retratos imaginários. A alma reproduz itenerários em arco-íris.
    Viajemos então...
    Bjs meus

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