Outros elos pessoais

01 junho 2007

A ministra e a mendicidade



Essa a manchete do semanário "O País" de ontem. Em parte alguma da entrevista da ministra surge uma reflexão, modesta que seja, sobre o sistema social que dá origem à mendicidade. Estamos perante o que Paulo Freire chamou "acções-aspirina". O que são "acções-aspirina"? São aquelas acções “cujo pressuposto fundamental é a ilusão de que é possível transformar o coração dos homens e das mulheres deixando intactas as estruturas sociais dentro das quais o coração não pode ter “saúde."
______________________
INODEP, El message de Paulo Freire y práctica de la libéración. Madrid: Marsiega [1973?], p.131.

5 comentários:

  1. Nas nossas circunstâncias, medidas do género só farão com que as pessoas roubem ou se prostituam em vez de pedir. Por que não insistir sim em esforços para um melhor sistema de solidariedade social para com as crianças que vão ficando sem pais e os idosos privados de filhos para deles cuidar, para melhorar o pagamento de pensões de quem trabalhou toda uma vida, para acelerar o pagamento dos direitos acumulados pelos trabalhadores no sistema do INSS?
    Por exemplo, apesar das várias insistências da minha empresa mostrando a necessidade de urgência, a esposa e a filha de um guarda que faleceu no ano passado esperaram quase um ano para receber aquilo a que tinham direito, inclusivamente o subsídio de funeral e o subsídio por morte. Viviam na cidade e o salário do marido e pai era o seu único meio de sustento. Seria de os condenar por pedirem esmola? E seria de criticar ou impedir quem a quisesse dar?
    Fátima Ribeiro

    ResponderEliminar
  2. Um problema complexo, Fátima. E a propósito do que disse a ministra, veio-me à memória o Paulo Freire e as "acções-aspirina"? Nas palavras de Paulo, essas acções são aquelas
    “cujo pressuposto fundamental é a ilusão de que é possível transformar o coração dos homens e das mulheres deixando intactas as estruturas sociais dentro das quais o coração não pode ter “saúde"[*].
    _______________
    [*] INODEP, El message de Paulo Freire y práctica de la libéración. Madrid: Marsiega [1973?], p.131.

    ResponderEliminar
  3. E essas acções-aspirina não são apenas dessa Ministra. Parece-me também que a distribuição indiscriminada de 7 milhões de meticais também tem esse sabor.

    ResponderEliminar
  4. existe um excelente trabalho de licenciatura em sociologia na ufics(agora aprofundado em trabalho de mestrado em lisboa) da autoria de rehana capurchande sobre a mendicidade de sexta-feira. a ministra faria bem em ler esse trabalho.

    ResponderEliminar
  5. a ministra saiu da estrada, como a gente diz no chamanculo, entrou n a picada e pior sem 4x4. a 10 anos atras iniciei uma actividade individual de apoio a criancas de rua e "carentes", onde principalmente o meu trabalho consiste em reorientar as poucas criancas de rua que consegui convencer e integra-las numa escola-orfanato, e acredita professor o meu maior obstaculo nao e economico mas as nossas intituicoes nao ajudam. as escolas nao tem pedagogos e psicologos para lidar com criancas, nos bairros nao existem assistentes sociais para apoiar/defender os interesses/direitos da crianca, aconselhamento familiar, apoio social.
    a maioria delas, sao filhos de pais divorciados, alcoolicos, vitimas de abuso sexual, violencia domestica, filhos de maes adolescentes, pais emigrantes na africa do sul, etc.

    os ultimos dez dias, estou passando por maus bocados, um dos meninos - hoje tem 14 anos - foi expluso da escola porque "roubou" um celular de um seu colega. com muito esforco consegui que ele deixasse a vida de menino da rua ( onde ele viveu 7 anos) e foi matriculado numa escola- internato, onde aprendeu a ler e a escrever e completou o ensino primario. este ano consegui uma matricula numa escola de arte e oficios, de onde foi expluso semana passada. o menino voltou para a rua, esta no mimos - 24 de julho - outras vez.

    as nossas instituicoes de ensino professor nao ajudam. expulsaram o menino do internato e nem informam o seu encarregado de educacao. nao ha responsabilidade pedagogica ou apoio psico-social. as nossas escolas sao escolas para`criancas "santas" num pais de diabos.

    entao professor, acredito mais na boa vontade e nos contactos pessoais que tenho com alguns professores e directores de escolas e internatos do que das instituicoes e do sistema de accao social e seu ministerio. por isso a nossas instituicoes fazem das nossas criancas mais vulneraveis a pobreza e a violencia.

    e cada ano, nao basta os esquemas que tenho que molhar a mao para arranjar vagas e matriculas. tenho que tambem que pagar aulas de explicao e uma quantidade de coisas como guardas, produtos de limpeza, material didactico, redes mosquiteiras, produtos de higiene pessoal, lampadas, candeeiros, cobertores, colchao, etc, uma quantidade de coisas que nem imaginas professor se es encarregado de mais de 21 criancas. e muitos mocambicanos fazem isso porque entendemos que o pais e pobre, mas quando assistimos estes discursos, ficamos chocados.

    como diz o professor macamo estamos perante a fala sem consequencias e o fenomeno da bicha.

    ResponderEliminar

Seja bem-vinda (o) ao blogue "Diário de um sociólogo"! Por favor, sugira outras maneiras de analisar os fenómenos, corrija, dê pistas, indique portais, fontes, autores, etc. Não ofenda, não insulte, não ameace, não seja obsceno, não seja grosseiro, não seja arrogante, abdique dos ataques pessoais, de atentados ao bom nome, do diz-que-diz, de acusações não provadas e de generalizações abusivas, evite a propaganda, a frivolidade e a linguagem panfletária, não se desdobre em pseudónimos, no anonimato protector e provocador, não se apoie nos "perfis indisponíveis", nas perguntas mal-intencionadas, procure absolutamente identificar-se. Recuse o "ouvi dizer que..." ou "consta-me que..."Não serão tolerados comentários do tipo "A roubou o município", "B é corrupto", "O partido A está cheio de malandros", "Esta gente só sabe roubar". Serão rejeitados comentários e textos racistas, sexistas, xenófobos, etnicistas, homófobos e de intolerância religiosa. Será absolutamente recusado todo o tipo de apelos à violência. Quem quiser respostas a comentários ou quem quiser um esclarecimento, deve identificar-se plenamente, caso contrário não responderei nem esclarecerei. Fixe as regras do jogo: se você é livre de escrever o que quiser e quando quiser, eu sou livre de recusar a publicação; e se o comentário for publicado, não significa que estou de acordo com ele. Se estiver insatisfeito, boa ideia é você criar o seu blogue. Democraticamente: muito obrigado pela compreensão.