Outros elos pessoais

01 novembro 2006

Pineu! Deita pineu! (8)


7. Justificações para o pineu

"O fogo dorme dentro de uma alma mais seguramente do que debaixo das cinzas" (Gaston Bachelard)

Quando interrogados sobre por que razão as pessoas preferiam a justiça sumária, por suas próprias mãos, os meus entrevistados responderam em uníssono que essa era a melhor maneira de fazer justiça e que não valia a pena esperar que a polícia resolvesse os problemas pois nunca os resolve.
Quando indagados sobre se um ser humano não merecia respeito e defesa, responderam que sim, mas que eles também mereciam respeito e defesa e que estavam cansados de esperar esse respeito e essa defesa.

8. Soluções para evitar o pineu

O Estado deve tomar as seguintes duas decisões: (1) reuniões de estudo colectivo de soluções com os moradores; (2) fazer intervir o exército com blindados a proteger os bairros. Quando se chega à epoca das festas de fim-de-ano, a BTR que aparece nos bairros inspira respeito e atemoriza os ladrões.
Essa a posição dos meus entrevistados.
Como se verifica, ela é bem dura. Já não querem polícias, querem soldados. Os entrevistados disseram inclusivamente que o cansaço dos moradores é tão grande que um dia um polícia é linchado. "Sabemos quantas balas tem uma pistola makarov, são oito. Quando as balas acabarem, os moradores começam."

9. Razões por que o pineu não existe na cidade central

Os linchamentos têm ocorrido desde os anos 90 nos bairros periféricos da cidade de Maputo.
Por que razão não ocorrem eles na grande Maputo, na zona central?
De acordo com os meus dez entrevistados, isso deve-se ao facto de a grande Maputo dispor de iluminação e de segurança estatal e privada, tornando difícil a acção de multidões.
Porém, creio que as duas razões indicadas podem ser ampliadas por uma terceira razão. Com efeito, a estrutura urbanística, com os seus prédios, o seu tráfego rodoviário e o seu convite a uma vida mais individualizada e bem mais e melhor gradeada, dificulta naturalmente a formação das multidões temporárias que estão nos linchamentos. O conhecimento colectivo com possibilidades de irradiação imediata é, aqui, claramente inferior ao conhecimento social quase quinestésico que se tem nos bairros periféricos.
___________________
Como sempre, espero que os leitores me ajudem a melhorar o quadro traçado. Tento, através deste rápido diagnóstico, mostrar que um estudo sério é bem melhor do que uma má decisão.

4 comentários:

  1. Tanto os motivos como as propostas de solução assemelham-se àqueles que também levaram à rebelião de 2005 em França ou mesmo antes disso, 1789. E a solução governamental também passou pela melhoria das condições dos bidonvilles.

    ResponderEliminar
  2. Pegando o fio da meada do Egidio, relembro a semelhanca do elemento de purificacao: o fogo. Em Franca incendiaram-se carros (e agora pela 'comemoracao' do primeiro anivesario um machimbombo); ca em casa incendeiam-se pessoas.

    As propostas podem ser sentidas genuinamente como solucoes que trariam resultados, mas creio que nao seriam mais que solucoes temporarias.

    O que as pessoas parecem querer e seguranca, autoridade, responsabilizacao, punicao e confianca. Sabemos que em ultima instancia os soldados tambem sao corruptiveis. As pessoas parecem confiar mais neles porque o nosso Estado nao os usa no dia a dia na relacao com a populacao.

    Os linchamentos sao uma citica ao Estado, a sua vulnerabilidade, inceficiencia e incapacidade de actuar. E nao acontecem na cidade de cimento porque o Estado ainda nao falhou tanto no cimento como na periferia. Ha menos gente a depender do sector informal no cimento, ha menos gente desempregada, ha menos gente em condicoes de vida precaria, ha menos gente a sentir-se diariamente agredida e violada na sua dignidade.

    Isto nao invalida, claro que as luzes, a individualidade e as grades nao sejam uma verdade. Sao parte da grande verdade. Mas e preciso que o Estado (e desde que nasci que oico esta cantiga) acabe com a corrupcao, prenda e condene os criminosos, torne eficiente os tribunais, etc. Mas nao com estatisticas para a Assembleia ou a Uniao Europeia. Com accoes para mocambicano ver.

    ResponderEliminar
  3. Ambos colocam pontos de grande riqueza, pontos que certamente me permitirão tornar mais ricas, amanhã, as conclusões da série. Obrigado!

    ResponderEliminar
  4. Ah sim, sobre os carros. Eu tive ocasião de assistir a essas festas linchatórias motorizadas em Paris. Sim, o fogo, o fogo! Deverei usar nas conclusões o belo "psicanálise do fogo" de Bachelard e o não menos belo "de la souillure" de Mary Douglas (ela usa trabalhou exemplarmente o conceito de poluição).

    ResponderEliminar

Seja bem-vinda (o) ao blogue "Diário de um sociólogo"! Por favor, sugira outras maneiras de analisar os fenómenos, corrija, dê pistas, indique portais, fontes, autores, etc. Não ofenda, não insulte, não ameace, não seja obsceno, não seja grosseiro, não seja arrogante, abdique dos ataques pessoais, de atentados ao bom nome, do diz-que-diz, de acusações não provadas e de generalizações abusivas, evite a propaganda, a frivolidade e a linguagem panfletária, não se desdobre em pseudónimos, no anonimato protector e provocador, não se apoie nos "perfis indisponíveis", nas perguntas mal-intencionadas, procure absolutamente identificar-se. Recuse o "ouvi dizer que..." ou "consta-me que..."Não serão tolerados comentários do tipo "A roubou o município", "B é corrupto", "O partido A está cheio de malandros", "Esta gente só sabe roubar". Serão rejeitados comentários e textos racistas, sexistas, xenófobos, etnicistas, homófobos e de intolerância religiosa. Será absolutamente recusado todo o tipo de apelos à violência. Quem quiser respostas a comentários ou quem quiser um esclarecimento, deve identificar-se plenamente, caso contrário não responderei nem esclarecerei. Fixe as regras do jogo: se você é livre de escrever o que quiser e quando quiser, eu sou livre de recusar a publicação; e se o comentário for publicado, não significa que estou de acordo com ele. Se estiver insatisfeito, boa ideia é você criar o seu blogue. Democraticamente: muito obrigado pela compreensão.