Outros elos pessoais

23 outubro 2006

A propósito da festa linchatória


Há uns anos atrás, quando analisei em livro os linchamentos que ocorriam nos bairros periféricos da cidade de Maputo nos anos 90, referi-me ao que então chamei "festa linchatória", à alegria dos moradores dos bairros ante a morte brutal dos linchados, à crença de que os linchamentos eliminavam o que então intitulei "poluição social".
Hoje, em conferência de imprensa, num intervenção onde falou da perda de valores morais numa cidade a contas com o crime e com as armas, a presidente da Liga dos Direitos Humanos, Alice Mabota, mostrou o seu profundo desagrado pelo facto de crianças assistirem aos linchamentos, de fazerem disso uma festa.
Como cidadão, junto-me a Alice Mabota, condeno veementemente o que se está a passar.
Mas como sociólogo, vejo-me obrigado a ir mais longe do que um pedido urgente de medidas policiais drásticas e do que uma condenação não menos drástica dos linchadores.
O problema para mim é bem mais complexo, tem um rosto poliédrico, já aqui nesta diário levantei várias questões e por isso não me parece errado colocar mais duas:
(1) O que leva pacatos cidadãos a tornarem-se repentinamente assassinos?
(2) Por que razão os linchamentos suscitam alegria?
Se se quiser, governamentalmente falando, responder a essas questões, entre outras, através de um estudo sério, talvez seja possível termos um quadro bem mais terapêutico a longo prazo.
Em meu entender, o que mais falta faz no país é a produção de trabalhos sérios que permitam, nos momentos certos, diagnosticar com profundidade as razões que estão à retaguarda de comportamentos que tanto nos ferem.
Isso é, para mim, bem mais urgente do que responder à violência com a violência na violência de deixarmos a violência inexplicada num país que já viveu e vive violência a mais.

2 comentários:

  1. Tenho estado a dizer que os linchamentos são, apenas, a ponta do iceberg. Pergunto-me, até, cada vez mais em meio a esta bola de neve linchatória, quem, em última análise, está na verdade a ser simbolicamente linchado na pessoa dos linchados reais nesta cólera popular. Daria uma boa pesquisa saída de uma espécie de "Força de Intervenção Sociológica Rápida". E, naturalmente, partilho da sua angústia.

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  2. PL,(Paula Lemos?!??)estou muito céptico em relação a ideia do "não problema".Temos um fenómeno novo na praça que são os linchamentos.Não creio que tenhamos que esperar pelo doador para estudarmos este fenómeno. Eu me pergunto será que a nossa cidade não tem ladrões em acção que possam ser linchados? Então porque estes apenas ocorrem na periferia? Será que existe uma diferença abismal entre a cidade e a periferia em termos de confortamento? O Professor Serra já havia levantado diversas sobre esta questões.E acho que deviamos investigar.

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