"Só uma violenta tempestade pode iluminar um céu tão negro" (Shakespeare)
Dois indivíduos, suspeitos de serem cadastrados, foram na sexta-feira de manhã interceptados num bairro de Marracuene, a cerca de 30 quilómetros a norte da cidade de Maputo, e enterrados e queimados vivos com capim e petróleo (método que substitui o pneu da cidade de Maputo), de acordo com um despacho no sábado da estação televisiva STV.
Os dois linchados não viviam no bairro referido.
Como eu previa, o fenómeno dos linchamentos amplia-se agora para fora da cidade de Maputo.
As pessoas parecem estar confrontadas com um enorme vazio institucional e viver uma catarse punidora sem precedentes na história do país.
Estamos sem saber se os linchados são efectivamente criminosos. Por outro lado e por hipótese, os polícias podem também ser alvo de linchamento caso procurem intervir. Podemos mesmo prever a eventualidade futura de linchamento de polícias, acusados de não deter os criminosos.
Este é fenómeno que não requer apenas medidas policiais, mas, também e especialmente, um estudo em profundidade das causas, um diagnóstico sério.
Os linchamentos parecem assumir, de forma cada vez mais vincada, a morfologia de válvulas de segurança, de estabilizadores da intranquilidade e da saturação sociais. A busca de bodes expiatórios poderá agravar-se consideravelmente.
Um mesmo fio condutor parece atravessar a história da humanidade no tocante a fenómenos com morfologias diferentes, mas com uma mesmo anseio de catarse social, de purificação social: desde a peste que atacava Tebas e que, no mito de Édipo de Sófocles, tornou Édipo responsável por ter morto o pai; passando pelo massacre de Judeus acusados de introduzir a peste negra na França do século XIV segundo o poema escrito pelo obscuro poeta Guillaume de Machaut; até à histeria em massa na Costa do Marfim em 1996, quando catorze supostos feiticeiros foram assassinados por multidões, dois em Abidjan e doze no Gana, porque jovens haviam ficado desesperados acreditando que os seus pénis haviam desaparecido (ou encolhido) depois de estranhos terem usado um aperto de mão "enfeitiçado" - assim se acreditou - para cumprimentá-los.
Os linchamentos em Maputo, cidade e província agora, possuem o mesmo sinete de inquietação social perante o eclipse do social e do cultural que o crime representa, diante da indiferenciação gerada, face à impotência em que as pessoas se encontram. A descarga em vítimas sacrificiais representa a libertação da tensão. E essa descarga tanto pode ocorrer sobre responsáveis identificados como autores da inquietação, como sobre vítimas de substituição, sobre inocentes. Entretanto, segundo o "Notícias", 300 moradores no bairro do Zimpeto na periferia de Maputo condicionaram sábado o fim dos linchamentos no bairro à construção de uma esquadra da polícia (edição de hoje, 23/10/06, p. 19).
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Para uma visão dos linchamentos no Brasil, veja o seguinte portal:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141995000300022
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