Outros elos pessoais

04 maio 2006

Sociedade civil: expressão a-todo-o-terreno

Sociedade civil é ao mesmo tempo uma expressão ambígua e a todo-o-terreno: ambígua porque sem consistência analítica, a todo-o-terreno porque suposto tê-la. Tudo e nada, afinal, nela podem caber.
Por outro, guarda um profundo sentido normativo, pois constrói-se eticamente por oposição ao Estado-Leviatão.
Ela possui uma história que remonta talvez a Hobbes e passa por Rousseau, Tocqueville, Hegel, Marx e Gramsci. Mas não vamos fazê-la agora aqui.
Interessa-nos dizer que neste fim de milénio, sociedade civil tem o sentido de um conjunto de actores e de instituições vivendo à margem de um Estado[1] definido como privador por uns (sectores neo-liberais) e como pouco redistribuidor por outros (sectores populares).
Como alguém defendeu, é uma noção “anti” por excelência, é veículo de uma reacção[2].
Em Moçambique, a expressão teve primeiro o significado de algo oposto aos actores da guerra logo após os acordos de Roma de 1992 e possui hoje a dimensão corrente de algo fora ou oposto ao Estado.
Mas mais do que definir sociedade civil, o nosso propósito é apenas o de propor vê-la como um “lugar” de lutas sociais[3], onde se conjugam inclusão e exclusão sociais, luta pela hegemonia política e resistência, confrontação de formas de etiquetagem e de representação sociais, localidade e globalidade, passado e futuro, miséria e opulência.
Ao lado da visão de uma sociedade civil “privada” em confronto com o Estado, existe hoje, cada vez mais, uma reavaliação e, de alguma maneira, uma reapropriação popular do conceito, a cargo de todos aqueles que se sentem excluídos dos benefícios da chamada globalização e que por isso e contra isso lutam. Daí que haja hoje quem os enquadre na “sociedade civil popular”[4].

___________________________________________________
[1] Repare-se, por exemplo, neste definição: “No nosso estudo consideramos sociedade civil como “parte de uma sociedade situada à margem do governo e do funcionamento das instituições estatais e que não tem por fim actos comerciais” – in COMPETE, Consultoria e Formação, Estudo sobre o apoio à sociedade civil no Niassa, Governo de Moçambique/Asdi, Suécia. Maputo, Agosto de 1998, p.4.
[2] Chabal, Patrick et Daloz, Jean-Pascal, L’Afrique est partie! Du désordre comme instrument politique. Paris: Economica, 1999, p.30.
[3] “Société civile: enjeu des luttes sociales pour l’hégémonie”, in Alternatives Sud, Société civile: lieu des luttes sociales, Cahiers Trimestriels, vol.V (1998), 1, pp.5-19. A escolha deste ângulo de visão dependeu também muito do nosso diálogo com o sociólogo belga François Houtart.
[5] La société civile en Amérique Latine: l’apport de l’expérience colombienne, in Alternatives Sud..., op.cit., pp.145-172.

1 comentário:

  1. Sociedade civil é mesmo um saco de batatas: toda a gente lá cabe. No outro dia perguntei a um amigo se quando o governante estava na barraca ela estava no Estado ou na sociedade civil. Resposta do meu amigo: está na barraca da sociedade civil e o Estado é o guarda-costas.
    Jonas

    ResponderEliminar

Seja bem-vinda (o) ao blogue "Diário de um sociólogo"! Por favor, sugira outras maneiras de analisar os fenómenos, corrija, dê pistas, indique portais, fontes, autores, etc. Não ofenda, não insulte, não ameace, não seja obsceno, não seja grosseiro, não seja arrogante, abdique dos ataques pessoais, de atentados ao bom nome, do diz-que-diz, de acusações não provadas e de generalizações abusivas, evite a propaganda, a frivolidade e a linguagem panfletária, não se desdobre em pseudónimos, no anonimato protector e provocador, não se apoie nos "perfis indisponíveis", nas perguntas mal-intencionadas, procure absolutamente identificar-se. Recuse o "ouvi dizer que..." ou "consta-me que..."Não serão tolerados comentários do tipo "A roubou o município", "B é corrupto", "O partido A está cheio de malandros", "Esta gente só sabe roubar". Serão rejeitados comentários e textos racistas, sexistas, xenófobos, etnicistas, homófobos e de intolerância religiosa. Será absolutamente recusado todo o tipo de apelos à violência. Quem quiser respostas a comentários ou quem quiser um esclarecimento, deve identificar-se plenamente, caso contrário não responderei nem esclarecerei. Fixe as regras do jogo: se você é livre de escrever o que quiser e quando quiser, eu sou livre de recusar a publicação; e se o comentário for publicado, não significa que estou de acordo com ele. Se estiver insatisfeito, boa ideia é você criar o seu blogue. Democraticamente: muito obrigado pela compreensão.