Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
Outros elos pessoais
23 maio 2006
Poder
Na verdade, nenhum «poder» é extrínseco a uma relação, a uma comunicação regular entre pelo menos duas pessoas. Na verdade, que «poder» poderia alguém ter fora dessa relação, fora de um Nós? Talvez seja nesse sentido que se pode dizer como Benjamim Constant que o «poder» é menos uma causa do que um efeito[1].
Com efeito, é na relação societal[2] e só nela que alguém poder ter o «poder» de influenciar ou determinar a minha/ vossa conduta, levando-me e a vós a fazer o que sem essa relação certamente nem eu nem vós faríeis.
Assim, o poder tem uma natureza intrinsecamente relacional e, numa primeira formulação weberiana, pode dizer-se que o poder de A sobre B é a capacidade que A tem de fazer com que B execute algo que ele não executaria sem a intervenção de A[3]. Em termos weberianos, A consegue impor a sua vontade a B[4]. Portanto, A dispõe de mais recursos do que B.
Porém, essa formulação é muito mecânica e não mostra verdadeiramente a natureza relacional do «poder». O que aí está em jogo é, no fundo, o «poder» discricionário de A, aparecendo B como um mero recipiente desse «poder».
Torna-se, portanto, indispensável melhorar a formulação apresentada, da seguinte maneira: o «poder» de A sobre B é a capacidade revelada por A para obter, na relação com B, que os termos de troca lhe sejam favoráveis. Esta formulação parece ser superior à primeira, dando à relação política o sentido de uma genuína relação estratégica e de uma interdependência funcional[5] na qual A não aparece dispondo de «poder» discricionário»[6].
Lá onde a relação política está saturada de força e de violência( do género «a bolsa ou a vida») e onde, portanto, as alternativas à acção social são escassas ou inexistem, não há uma relação de poder, mas uma relação de violência ou de força[7].
Como escreveu Foucault, uma relação de violência age sobre corpos e coisas: ela força, dobra, quebra, destrói, ela aspira à passividade do Outro e, confrontada com a resistência, destrói. Pelo contrário, uma relação de poder articula-se sobre dois eixos fundamentais: por um lado, o Outro é sempre reconhecido como sujeito da acção e, por outro, está sempre em aberto todo um campo mútuo de respostas, de reacções, de efeitos e de invenções possíveis[8].
Não há qualquer tipo de relação humana exterior à(s) relação(ões) de poder.
A evidência empírica mostra-nos que lá onde seres humanos estão em contacto,
questões muito simples se põem regularmente, a saber: quem influencia, quem manda, quem induz, quem ganha, quem perde, etc.[9].
Uma vez que não possuímos todos os mesmos interesses, os mesmos recursos e os mesmos trunfos, toda a relação humana é assimétrica, quer dizer, haverá sempre quem tenha mais «poder» do que outrém e, por consequência, mais dividendos. Dada essa assimetria, o conflito é uma parte constitutiva de toda a cooperação[10], uma força de socialização[11] e de orientação por excelência.
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[1]Constant, Benjamin, De la force du gouvernement actuel de la France et de la nécessité de s'y rallier ( 1796), Des réactions politiques, Des effets de la Terreur ( 1797). Paris: Champs/ Flammarion, 1988, p.77.
[2]Dizer assim as coisas, «relação societal», é um pouco absurdo e pleonástico, na medida em que toda a relação humana só pode ser necessariamente societal. Mas este é, de alguma forma, um velho problema decorrente da essencialização feita à bizarra dicotomia Indivíduo/Sociedade. A propósito desta dicotomia, ver Elias, Norbert, A sociedade dos indivíduos. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993, passim.
[3]Para esta definição de Robert Dahl, veja Russ, Jacqueline, Les théories du pouvoir. Paris: Librairie Générale Française, 1994, pp.13-14, 171.
[4]Weber, Max, Économie et société/1, Les catégories de la sociologie. Paris: Plon, 1995, p.95.
[5]Veja, a propósito deste último conceito, Elias, Norbert, Qu'est-ce que la sociologie? Paris: Aube/Pocket, 1991, p.98.
[6]Bernoux, Philippe, La sociologie des organisations, Initiation théorique suivie de douze cas pratiques. Paris: Éditions du Seuil, 1985, pp.159-160.
[7]Veja Sawicki, Frédéric, Textes, 1. Science politique, Sociologie, Histoire. Paris: Belin, 1994, p. 42; Foucault, Michel, Le Pouvoir, comment s'exerce-t-il?, in Dreyfus, Hubert et Rabinow, Michel, Michel Foucault, Un parcours philosophique. Paris: Gallimard, 1984, pp. 313-314.
[8]Foucault, Michel, Le Pouvoir, comment s'exerce-t-il?, in Dreyfus, Hubert et Rabinow, Michel, Michel Foucault..., op.cit., p. 313. Veja, também, Elias, Norbert, Qu'est-ce que..., op.cit., pp.83-121.
[9]Crozier, Michel, Le phénomène bureaucratique, Essai sur les tendances bureaucratiques des systèmes d'organisation modernes et sur leurs relations en France avec le système social et culturel. Paris: Éditions du Seuil, 1963, p.7; Elias, Norbert, Qu'est-ce que..., op.cit., p.84.
[10]Quivy, Raymond e Campenhoudt, Luc Van, Manual de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva, 1992, pp.126-134.
[11]Veja, a propósito, Simmel, Georg, Le conflit. Paris: Circé, 1992, pp. 19, 34; Certeau, Michel de, L´Étranger ou l´union dans la différence. Paris: Desclé de Brouwer, 1991.
1 comentário:
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