Antes e depois das independências, muitos dos intelectuais e políticos africanos reagiram ao etnocentrismo e ao racismo adoptando, numa espécie de reacção psicológica compensatória, o discurso etno-psicologizante do ex-colonizador, atribuindo-lhe, porém, um sinal positivo. Valoriza-se, afinal, a alteridade desqualificada. Todas as categorias hegelianas (é Hegel quem cunha uma expressão destinada a fazer uma fortuna polissémica: «carácter africano») e tempelsianas[1], por exemplo, enraizam-se e desenvolvem-se em centenas de textos políticos e literários dos anos 40 a 60, perfumadas com a afirmação orgulhosa da autenticidade e da negritude. Homens ilustres como Senghor e Nyerere esforçaram-se por constituir a especificidade africana com essas categorias. Emblematicamente, Senghor afirma: «A emoção é negra, como a razão é helénica»[2]. Um historiador brilhante como Ki-Zerbo procura escrever a história do «ponto de vista africano»[3] e mostrar em que é que África diferiu da história europeia: ausência de propriedade privada, monarquia moderada, refinamento das relações interpessoais, etc.[4]
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[1]Hegel, G.W.F., La razon en la historia. Madrid: Seminarios y Ediciones, S. A., 1972, pp.270-291; Tempels, Placide, Bantu Philosophy. Paris: Présence Africaine, 1969, passim.
[2]Senghor, Léopold Sédar, Liberté I, Négritude et Humanisme. Paris: Éditions du Seuil, 1964, tome 1, p.24.
[3]Este é, para mim, um grande enigma. Na realidade, o que é escrever uma história do ponto de vista «africano», «europeu» ou «asiático»? De que maneira se poderiam avaliar os graus de acordo e de desacordo dos Africanos em relação à posição de um Ki-Zerbo? Pode fazer-se a história dos Africanos, mas como fazê-la do «ponto de vista africano»? Certo, o problema não se resolve rotulando Napoleão de Chaka europeu, em lugar de rotular Chaka de Napoleão africano. Mas, também e fundamentalmente, não se resolve se nos interrogarmos sobre os massacres cometidos em Moçambique, no Ruanda ou na Libéria por Africanos sobre outros Africanos. E continua a não resolver-se se nos lembrarmos da rapacidade de alguns homens de Estado que governaram e governam este continente.
[4]Ki-Zerbo, Joseph, Conclusão - Da natureza bruta à humanidade liberada, in Ki-Zerbo, Joseph( coord), História Geral da África, pp.750-758;__, Histoire de l'Afrique noire, D'Hier à demain. Paris: Hatier, 1972, passim. Entretanto, para uma crítica do tradicionalismo e do passadismo de inspiração tempelsiana, veja Hountondji, Paulin, African Philosophy: Myth and Reality. Bloomington: Indiana University Press, 1983.
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