Vou escrever de uma realidade movediça, mefistofélica, rizomática de sentidos e usos. Estatuetas, batiks, plurais colecções de adornos e de motivos, etc., fazem o ganha-pão de milhares de artesãos e de vendedores um bocado por todo o lado nas cidades africanas. Quem compra esses artigos? Invariavelmente os estrangeiros, especialmente os Europeus. E é exactamente com estes que nasce neste século a «tradição africana» de descontextualizar vidas, fenómenos e coisas para serem vendidas primeiro aos colonos, em seguida aos cooperantes, os únicos, afinal, que produziram e produzem a necessidade e apreciaram e apreciam esse tipo de arte. Uma parte significativa dessa arte artesã é o corolário lógico da colonização, é uma alteridade assumida e valorizada no comércio com uma outra alteridade.
Quando hoje, junto ao Piri-Piri ou ao Polana, na cidade de Maputo, a vendemos em meticais ou em dólares, estamos realmente a vender tradição? Que tipo de tradição?
Quantas vezes não encontro nos aviões, girafas, camponesas com filhos às costas, pilões, dentes de marfim, etc., e sinto a alegria dos seus proprietários na fórmula fatal: «Isto é África!». Mas temos, ainda, as artes maiores, as artes plásticas, aquelas que estão nas exposições onde, não menos invariavelmente, abundam os Europeus. E, aí, sempre me admirará a ubuesca mania de se ter por arte «tradicional» uma multidão de quadros onde máscaras, olhos esbugalhados, anatomia transfigurada, etc., expressam, afinal, desolação, tormento, tragédia, genocídio, desemprego, guerra, tristeza, etc., quer dizer, sentimentos, percepções perfeitamente universais, rigorosamente humanos, identificadamente históricos, epocalmente reconhecíveis.
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