Ainda sobre o tema das tchunas-babes, decidi colocar como texto central no diário o seguinte trabalho de Iolanda Aguiar, que ela enviou como comentário:
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Tchuna-babes «falam» espanhol
«Tchuna-babes» é o nome pelo qual são conhecidas as calças elásticas e de cintura baixa em Moçambique. Ao serem utilizadas numa campanha publicitária contra a SIDA, as “tchuna-babes” foram desviadas do fim para o qual foram criadas e geraram uma série de associações polémicas entre: (1) as ditas calças e a SIDA; (2) as ditas calças e a “racionalidade camponesa”, (3) as ditas calças e a moral e (4) as ditas calças e o imaginário sexual.
Entretanto, o que me chamou a atenção foi a velocidade com que a informação circulou, de Moçambique para o Brasil, Paris, Argentina, Portugal e por aí fora. Isto é, foi a circulação da informação em torno das “tchuna-babes”. Noutros termos, o que me chamou a atenção não foram as “tchuna-babes” enquanto instrumento publicitário, mas a representação das “tchuna-babes” enquanto vector de circulação e de reestruturação de informação. Em suma, o que me chamou a atenção foram as proporções globais dadas às “tchuna-babes” enquanto facto local. As “tchuna-babes” não são uma “ilusão”, elas materializam um todo compexo e contraditório, formado por circuitos autónomos que se entrecruzam, constituindo as “bases” daquilo a que chamamos mundialização. Em alguns segundos, as “tchuna-babes”, que se tornaram polémicas, desde que uma campanha publicitária as vinculou à propagação da SIDA, ultrapassaram as fronteiras do real (espaço local – Moçambique) e materializaram-se no espaço virtual, fixando-se, assim, no espaço mundial. Certo, as “tchuna-babes” «falaram» espanhol e Moçambique «tchunou» na América Latina, o que nos mostra que as dinâmicas veiculadas pela circulação da informação são um facto. “Há anos que a novela brasileira habita as televisões e os corações de milhares de moçambicanos”. (veja neste blog o artigo do Professor C. Serra, “A novela brasileira”), o que reforça a ideia supracitada. Os meios de comunicação e os midia estão a forjar uma “consciência planetária”. Se quisermos caracterizar de maneira esquemática a nossa época, poderíamos dizer que é uma época de inquietação, onde a consciência da complexidade nos faz mergulhar num mundo de impotência, onde a perspectiva de futuro, que já nos fascinou, pois era promissor, transformou-se em ameaças apocalípticas. (Benasayag, 2004:11) [1]
A “mundializaçao” tornou-se, em alguns anos, sinónimo de algo aterrorizador. Assim, para uns ela inspira um sentimento de resignação, temos que aceitar as mudanças, pois é impossível lutar contra elas; para outros o sentimento é de rejeição total, é absolutamente necessário lutar para manter a ordem social.(Cohen: 1997:14) [2].
Mas a velocidade com que Moçambique «tchunou» na América Latina, leva-me a querer que a mundializaçao não veicula somente coisas negativas. Em consequência, o mais importante para mim é saber como tirar vantagem das dinâmicas de mudança induzidas pela mundialização. Pois, “Interessante mesmo é perceber que “jeito” vai, “jeito” vem; “tchunas” vão, “tchunas” vêm e “discussões” vão e voltam e os índices de HIV, esses sim, sobem!” (veja comentário de Mangue neste blog – “Por trás dos Tchunas”).
A consciência planetária veiculada pelos midia transforma facilmente o indivíduo em espectador, mas dificilmente o transforma em actor. Exemplo: a internet (para quem a ela tem acesso) permite a circulação rápida de informação. Os cartazes publicitários (criados com boa intenção) podem levar ao desvio de informação, mas esses cartazes podem ser vistos por todo o lado em Moçambique (suponho). Por outro lado, a nova economia mundial cria um divórcio entre o que se espera dela e a realidade. Exemplo, os medicamentos para o combate à SIDA são caros. No entanto, esses medicamentos tanto curam as pessoas que usam “tchuna-babes” como as que não usam. Os mesmos medicamentos curam quer pobres quer ricos.
Certo, a mundialização económica não acompanha a mundialização da consciência planetária, daí a multiplicação de conflitos em torno da mundialização. Mas, parafraseando Roger Bastide[3] , se tentarmos dar menos importância aos efeitos desorganizadores dos conflitos e dar mais importância aos seus efeitos organizadores, talvez esteja aí uma forma de tirar vantagem da mundialização. Assim sendo, espero que “as proporções globais” dadas as “tchuna-babes” tragam vantagens para o espaço local (diminuiçao dos índices de HIV, em Moçambique). Noutros termos, espero que seja o início de uma colaboração profícua entre os especialistas que se cruzaram e/ou se cruzarão neste ciber espaço e os agentes no terreno. Pois estou convicta de que a mundialização não veicula somente coisas negativas.
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[1] BENASAYAG, Miguel, 2004, Le mythe de l’individu, Paris, La Découverte/Poche[2] COHEN, Daniel, 1997, Richesse du Monde, Pauvretés des nations, Paris, Flammarion.
[3] Bastide,R., 1998, Anthropologie appliquée, Paris, Stoc.
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