Número anterior aqui. Permaneço no segundo ponto do sumário [aqui], a saber: 2. Produção de cenários dantescos: a sombra de Tânato. Em Abril, a agência de notícias "Lusa" reportou a existência de uma vala comum com cerca de 120 corpos no posto administrativo de Canda, província de Sofala, zona de conflito militar. A fonte da notícia foi referida como sendo um grupo de camponeses, mas para o número de corpos foi mencionado apenas um camponês. Aqui. Nacional e internacionalmente, surgiu de imediato uma enorme comoção. Não era um corpo, não eram dois corpos, não eram alguns corpos, eram cerca de 120 corpos. Uma multidão morta, um massacre, um genocídio. É razoável pensar que, sendo reais os corpos, descobri-los e contá-los deve ter dado trabalho.
Estava-se perante um cenário dantesco, reinava, forte, a sombra ameaçadora de Tânatos. A vala havida por verídica como que se tornou o gigantesco e absurdo símbolo do conflito militar em curso, perfilou-se como que a personificação absoluta da morte, enraizou-se no imaginário como que o indicador local do "mal-estar na civilização" [para usar o título de um livro de Freud]. De imediato, jornais, agências noticiosas, páginas das redes sociais digitais e blogues do copia/cola/mexerica transformaram a informação da "Lusa" num dado apodítico, numa informação indismentível, multiplicando-a e ampliando-a sem fim. Aqui. Porém, não houve confirmação das fontes, não se cruzou informação, não se observou o princípio do contraditório, não se encontrou a vala, os corpos não foram fotografados, não se foi, enfim, para além do testemunho oral [e mesmo este importava e importa ser investigado, avaliar a sua credibilidade]. A vala de Canda ficou - e permanece hoje ainda - como vala de oitiva. A necessidade de acreditar, no contexto de um conflito militar, sobrepôs-se por completo ao imperativo das evidências e das provas. Não obstante isso, a vala foi havida por confirmada [sic], como veremos no próximo número.
Estava-se perante um cenário dantesco, reinava, forte, a sombra ameaçadora de Tânatos. A vala havida por verídica como que se tornou o gigantesco e absurdo símbolo do conflito militar em curso, perfilou-se como que a personificação absoluta da morte, enraizou-se no imaginário como que o indicador local do "mal-estar na civilização" [para usar o título de um livro de Freud]. De imediato, jornais, agências noticiosas, páginas das redes sociais digitais e blogues do copia/cola/mexerica transformaram a informação da "Lusa" num dado apodítico, numa informação indismentível, multiplicando-a e ampliando-a sem fim. Aqui. Porém, não houve confirmação das fontes, não se cruzou informação, não se observou o princípio do contraditório, não se encontrou a vala, os corpos não foram fotografados, não se foi, enfim, para além do testemunho oral [e mesmo este importava e importa ser investigado, avaliar a sua credibilidade]. A vala de Canda ficou - e permanece hoje ainda - como vala de oitiva. A necessidade de acreditar, no contexto de um conflito militar, sobrepôs-se por completo ao imperativo das evidências e das provas. Não obstante isso, a vala foi havida por confirmada [sic], como veremos no próximo número.
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