Permitam-me recordar-vos um dos poderes constantes de um trabalho meu intitulado Poder e representação política em Moçambique, a saber: poder comicial.
Poder fulcral com três tipos de gestão: gestão de multidões, gestão da oratória e gestão do espectáculo.
Gestão de multidões. A multidão é o desejo veemente do líder, grande ou pequeno, falando na capital cosmopolita ou na modesta sede do posto administrativo. Nos comícios, o líder tem a seu pleno cargo lúdico a gestão cerimonial - panorâmica e vertical - dos súbditos presentes, ele num estrado ou num palanque rodeado de assistentes e convidados com ar respeitoso, súbditos em baixo, de pé regra geral, expectantes, supresos, fascinados com o espectáculo. Gestão cerimonial meticulosamente preparada por uma corte de funcionários. Quanto mais gente estiver presente mais o líder se convence de que tem a seus pés a nação inteira em formato concentrado. A gestão cerimonial está intimamente associada a um certo tipo de relato jornalístico que acentua a presença de multidões felizes e faz passar a ideia forte de que o líder é amado por muitas pessoas. Capacidade de juntar muitas pessoas é vista como produto de legitimidade política.
Gestão da oratória. Somos um país rico em oratória, em discursos, em palavras de comícios. Os comícios são, faz já muitos anos, um enorme viveiro discursivo, lá onde o líder - grande ou pequeno, em meio urbano ou rural, após um aparatosa chegada de carro, helicóptero ou avião, vindo da capital, da sede provincial ou da sede distrital - vai falar ao povo expectante e sedento de novidade. Palavras todos nós usamos, mas palavras para comícios são do uso exclusivo dos gestores do poder político e estatal, uso livre no caso do partido no poder, mediante autorização policial no caso da oposição. E são esses gestores da palavra comicial que, por tempo indeterminado, falam às populações (termo eufórico e despolitizador) sobre o que fizeram, sobre o que farão e sobre o que esperam o povo faça, são esses gestores que trazem a espectacularidade das promessas, o desenho axiomático de um futuro que só eles conhecem, o mundo que dizem novo no mastro das palavras veementes. Os comícios são um programa permanente de avaliação e controlo políticos e a discursividade age através de uma cadeia piramidal de chefes que se revezam em visitas de inspecção e mobilização política.
Gestão do espectáculo. O espectáculo puro do poder político dando-se a conhecer e procurando causar efeitos ópticos prolongados - eis o tecto do poder comicial, iniciado logo que o líder surge com grande aparato. O líder mostra que foi capaz de deixar o centro do sagrado decisional e de descer à periferia do comum dos mortais, ao povo, inutilizando temporariamente a distância e o resguardo, mostrando que é capaz de se equiparar aos súbditos, dando no fim da sua intervenção a palavra a pessoas escolhidas previamente pelo protocolo local para falarem, para estarem em empatia com o sagrado que ele representa. Mas isso é apenas uma parte do espectáculo (de resto variado, incluindo oferendas locais), porque o estrado ou o palanque assinalam ao mesmo tempo e permanentemente a distância vertical indissolúvel, reforçada pelos acompanhantes respeitosos, pelas autoridades tradicionais garbosamente fardadas e pelos atentos agentes de segurança.
Poder fulcral com três tipos de gestão: gestão de multidões, gestão da oratória e gestão do espectáculo.
Gestão de multidões. A multidão é o desejo veemente do líder, grande ou pequeno, falando na capital cosmopolita ou na modesta sede do posto administrativo. Nos comícios, o líder tem a seu pleno cargo lúdico a gestão cerimonial - panorâmica e vertical - dos súbditos presentes, ele num estrado ou num palanque rodeado de assistentes e convidados com ar respeitoso, súbditos em baixo, de pé regra geral, expectantes, supresos, fascinados com o espectáculo. Gestão cerimonial meticulosamente preparada por uma corte de funcionários. Quanto mais gente estiver presente mais o líder se convence de que tem a seus pés a nação inteira em formato concentrado. A gestão cerimonial está intimamente associada a um certo tipo de relato jornalístico que acentua a presença de multidões felizes e faz passar a ideia forte de que o líder é amado por muitas pessoas. Capacidade de juntar muitas pessoas é vista como produto de legitimidade política.
Gestão da oratória. Somos um país rico em oratória, em discursos, em palavras de comícios. Os comícios são, faz já muitos anos, um enorme viveiro discursivo, lá onde o líder - grande ou pequeno, em meio urbano ou rural, após um aparatosa chegada de carro, helicóptero ou avião, vindo da capital, da sede provincial ou da sede distrital - vai falar ao povo expectante e sedento de novidade. Palavras todos nós usamos, mas palavras para comícios são do uso exclusivo dos gestores do poder político e estatal, uso livre no caso do partido no poder, mediante autorização policial no caso da oposição. E são esses gestores da palavra comicial que, por tempo indeterminado, falam às populações (termo eufórico e despolitizador) sobre o que fizeram, sobre o que farão e sobre o que esperam o povo faça, são esses gestores que trazem a espectacularidade das promessas, o desenho axiomático de um futuro que só eles conhecem, o mundo que dizem novo no mastro das palavras veementes. Os comícios são um programa permanente de avaliação e controlo políticos e a discursividade age através de uma cadeia piramidal de chefes que se revezam em visitas de inspecção e mobilização política.
Gestão do espectáculo. O espectáculo puro do poder político dando-se a conhecer e procurando causar efeitos ópticos prolongados - eis o tecto do poder comicial, iniciado logo que o líder surge com grande aparato. O líder mostra que foi capaz de deixar o centro do sagrado decisional e de descer à periferia do comum dos mortais, ao povo, inutilizando temporariamente a distância e o resguardo, mostrando que é capaz de se equiparar aos súbditos, dando no fim da sua intervenção a palavra a pessoas escolhidas previamente pelo protocolo local para falarem, para estarem em empatia com o sagrado que ele representa. Mas isso é apenas uma parte do espectáculo (de resto variado, incluindo oferendas locais), porque o estrado ou o palanque assinalam ao mesmo tempo e permanentemente a distância vertical indissolúvel, reforçada pelos acompanhantes respeitosos, pelas autoridades tradicionais garbosamente fardadas e pelos atentos agentes de segurança.
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