Outros elos pessoais

16 abril 2014

Duopólio político e equilíbrio à Nash (sobre as exigências da Renamo)

Faz já meses que governo e Renamo negoceiam o que no senso comum se chama paz mas que, na mesa das conversações, tem inteiramente a ver com redistribuição de recursos de poder no país. Por outras palavras: a Renamo quer parte do que - assim entende ela - a Frelimo tem ao nível da gestão do Estado.
Durante alguns meses cristalizou-se a ideia de que a Renamo apenas pretendia uma paridade ao nível dos órgãos eleitorais. Quer dizer, aceitou-se que tudo caminhava pela estrada das eleições e pelo seu melhor controlo.
Mas agora a Renamo subiu a parada: para se desmilitarizar, exige também paridade nas forças de defesa e segurança, quer mesmo chefiar o Estado-Maior General e o Comando-Geral da polícia.
Ora, a exigência surge em ano eleitoral, pois em Outubro deverão realizar-se as presidenciais e as legislativas.
Que conclusão tirar? Esta: a Renamo quer que a redistribuição de recursos de poder passe não pelas eleições, mas por um arranjo prévio, inteiramente partidarizado, ao nível de um duopólio político gerido, ao nível do Estado, pelo governo - que entende ser um mero utensílio da Frelimo - e por ela. Apenas por ambos, o que, entre outras consequências, representa (1) bipartidarizar militar e policialmente o que a Renamo entende estar unipartidarizado e (2) enviar às urtigas os outros partidos.
Por outras palavras: as eleições são havidas como um coméstico, um pró-forma para incautos.
Mas há uma questão fundamental: está a Renamo a fazer bluff? A resposta é negativa.
Há, provavelmente, muitas coisas na penumbra em todo este processo. Algumas poderão, futuramente, constituir uma surpresa.
Porém, talvez seja uma hipótese sensata admitir que a Renamo tem músculo guerrilheiro suficiente para pôr em causa a tranquilidade do país. Esse músculo pode rapidamente passar da guerrilha de pequena intensidade para a guerrilha de média intensidade, espalhando-se como um líquido, pouco a pouco, pelo país, pelo campo e, depois, pelas cidades (previ os dois cenários num trabalho publicado "Savana" e conferível aqui), arrastando consigo outros tipos de fenómenos. E pode, igualmente, contribuir para que as eleições sejam adiadas e/ou prejudicadas.
Tudo isso pode pôr em causa as expectativas de muita gente, de muitas instâncias nacionais e estrangeiras e do Capital internacional.
Na teoria dos jogos e do ponto de vista do princípio do equilíbrio de Nash (sabeis da teoria proposta por John Nash em 1950), cada jogador pratica a estratégia que lhe agrada, que melhor resultados lhe traz e, portanto, não está interessado em alterá-la.
Tudo parecia apontar para um equilíbrio à Nash: a Renamo exigiu paridade nos órgãos eleitorais, o governo aceitou, isso irá representar muito dinheiro a dispender mensalmente por milhares de membros de partidos, mas, enfim, a paz é cara. Por outras palavras: a Renamo conseguiu estar em locais eleitorais decisivos, o governo não foi questionado na gestão estatal e, portanto, nos órgãos de soberania. Equilíbrio à Nash.
Porém - com o Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissam transformado numa extensão urbano-seminarial da guerrilha rural - a Renamo subiu a parada, avançou para o ponto nevrálgico, para o coração da gestão do poder, exigindo paridade também nas forças de defesa e segurança. E o governo já respondeu, rapidamente, dizendo que isso não irá suceder.
O equilíbrio à Nash perdeu-se, o jogo estratégico foi alterado.
Infelizmente - nota de humor amargo - ninguém poderá saber o que pensaria o matemático norte-americano John Forbes Nash caso tivesse aqui nascido.
Os dados estão, entretanto, lançados. Enquanto isso, duvido que o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, reapareça em tablado civil para se recensear e apresentar-se, depois, como candidato presidencial do seu partido. Por um lado, ele conhece o cenário à Savimbi e, por outro, o bloco hegemónico da Renamo sabe que sem Dhlakama a "Renamo renovada" perde o seu DNA castrense e, portanto, o peso político à Clausewitz.

4 comentários:

  1. Brilhante leitura da nossa hodierna floresta política, Prof. Não sei se adianta muito fiar-nos nessa primeira reacção governamental de que "tal não vai acontecer" nunca e jamais em tempo algum...
    As próprias conversaçães eram para não acontecer na óptica do Governo, mas estão a decorrer, a paridade nos orgãos eleitorais, de acordo com o Governo e AR era para não acontecer, mas foi aprovada...
    Os consensos que temos vindo a aplaudir parecem-se mais com uma capitulação governamental do que com acordos. O que se joga nos bastidores?
    PS: Circula na praça ser regra a cobrança de uma participação de 7%à economia nacional por uma certa entidade como condição sine qua nom de entrada/continuação. Não será também uma paridade nessa facilidade que a Renamo procura?

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  2. Secundo completamente, é uma análise brilhante que deve ser lida na Assembleia da República e divulgada na imprensa.

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  3. E com a vantagem do autor não tomar partido...Aquele abraço bué bué aqui deste lado do Atlântico!

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  4. Vale sempre a pena pisar esta terra "digital".

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