Outros elos pessoais

06 janeiro 2014

Não às evidências primeiras

Se alguém nos diz que viu um leão na cidade de Maputo, a nossa atitude não deve ser de aceitar isso só porque alguém diz ter visto o leão (uma, duas, três pessoas, uma multidão a dizê-lo), devemos esforçar-nos para saber se isso efectivamente aconteceu, analisando fontes, tipo de fontes, credibilidade do (s) informador (s), frequência do fenómeno, etc. Desconfiemos dos consensos de fácil digestão e façamos do não às evidências primeiras o princípio para chegarmos ao sim da pesquisa e da credibilidade processual.
Adenda às 08:32: um texto exemplar que começa assim: "O líder comunitário do povoado de Manhique, no Posto Administrativo de Pembe, no distrito de Homoíne, na província de Inhambane, disse em público que andavam na zona “homens armados da Renamo” e, consequentemente, os residentes locais entraram em pânico e começaram a abandonar as suas casas em debandada. A Reportagem do CanalMoz foi ao local e constatou que ninguém viu de facto os tais “homens armados da Renamo”. A nossa reportagem nem viu militares ou agentes da FIR a patrulharem a região. Nem em Pembe, nem nas zonas circunvizinhas de Pembe, nem no trajecto, alguém nos disse que viu os tais homens armados." Aqui.
Adenda 2 às 08:35: tenho, com frequência, procurado analisar neste diário a estrutura dos boatos. Por agora, fica aqui um extracto que uso frequentemente: "Lenda urbana, boato ou rumor é "um relato anónimo, breve, com múltiplas variantes, de conteúdo surpreendente, contado como verdadeiro e recente num meio social do qual exprime de maneira simbólica os medos e as aspirações." (in Renard, Jean-Bruno, Rumeurs et légendes urbaines. Paris: PUF, 2006, 3.e éd., p.6).
Adenda 3 às 08:38: recorde a minha postagem de ontem intitulada "Ninguém os viu mas é como se os tivessem visto", aqui.
Adenda 4 às 08:45: boatos não irradiam apenas lá onde nascem, mas também na net, especialmente através dos blogues parasitas e ávidos de sensacionalismo, os blogues do copia/cola/mexerica. Tenho insistido muito neste fenómeno e continuarei a fazê-lo.
Adenda 5 às 19:34: a polícia diz que não corresponde à verdade a presença de homens armados da Renamo em Homoíne, província de Inhambane. Um porta-voz da polícia diz que pode tratar-se de um boato gerado a partir de acções de ladrões de gado - "Rádio Moçambique" no noticiário as 19:30.

2 comentários:

  1. Boato versus prevenção : as autoridades têm-se desdobrado em emitir mensagens para motivar comportamento preventivo ante fenômenos naturais e humanos que ameaçam a sua integridade face a impotência técnico-financeira do Estado em providenciar soluções duradoiras ou de emergência. É o caso das cheias em que alguns agentes aconselham populares a investirem em duas casas: uma na zona alta e outra de campo, nas machambas( como se tal fosse fazível para quem não têm nem para uma casa). Nestes casos as pessoas são condenadas quando esperam por aviso oficial para evacuar de determinada zona e este chega depois da onda de cheia...
    No caso de Pende, pretendemos que os guerrilheiros ou homens armados de seja quem for estejam a passear nas ruas dando entrevistas a STV e assinando autógrafos para provarem a sua existência? Ou esperamos que sejam massacradas 400 pessoas , como já aconteceu em Homoine, para provar que é verdade haver por alí homens armados?
    Penso que por vezes o nosso formalismo urbano contrasta com a vulnerabilidade rural da maioria dos nossos compatriotas ( a quem muitas vezes chamamos "eles")
    Neste caso e no ambiente que estamos a viver eu prefiro que as pessoas constatem que era tudo boato ainda vivas do que não consigam reclamar nada porque já irremediavelmente mortas.
    PS : quanto a FIR ou FDS dizer que não são tão elásticas quanto se propaga. Vivem de recursos muito limitados e não podem estar em todo o lugar. O país é muito grande.

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  2. Esta guerra dos boatos é tão letal quando a dos tiros.

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