Outros elos pessoais

23 janeiro 2014

Espírito do deixa-falar (9)

Membros da equipa, da esquerda para a direita nas caricaturas em epígrafe: Sónia Ribeiro, moçambicana, professora de Biologia, Bairro Sansão Muthemba, cidade de Tete; Carlos Serra, moçambicano, coordenador, Bairro da Polana, cidade de Maputo; Geraldo dos Santos, moçambicano, historiador, Bairro da Malhangalene, cidade de Maputo; Félix Gorane, moçambicano, advogado, Bairro do Macúti, cidade da Beira; Joseph Poisson, francês, farmacêutico, Rue des Écoles (quarteirão latino), cidade de Paris.
Carlos Serra: olá para todas e todos, espero que estejam bem de saúde. Vamos, então, dar prosseguimento ao nosso debate. O tema continua a ser conduzido pelo Geraldo, versando sobre a Renamo e, particularmente, sobre a sua génese. Abraço. Carlos
Geraldo dos Santos: vamos então continuar. Ambas as partes colhiam vantagens do processo tal como foi criado. A Rodésia do Sul e a África do Sul procuraram "domesticar" o nosso país não directamente, mas indirectamente através da Renamo. Esta foi, portanto, o seu utensílio estratégico. Por sua vez, a Renamo, formada por descontentes e dissidentes, contava com o apoio logístico estrangeiro para dar corpo ao seu protesto político por via militar. A história da Renamo é formada por duas partes: a parte da dependência em relação aos mentores e a parte da independência. Nos anos 90 a Renamo está perfeitamente independente da África do Sul, país onde, aliás, a situação política se alterou com o término formal do apartheid. A partir de 1992 a Renamo iniciou a passagem de frente guerrilheira para partido político. Hoje fico por aqui. Respeitosos cumprimentos. Geraldo
Sónia Ribeiro: ok, Geraldo. Mas, afinal, a Renamo nunca perdeu o seu músculo guerrilheiro, está-lhe no sangue. O que se está a passar no país é burlesco, é trágico, de novo ataques, mortos, feridos e destruições. E vão-me dizer que o que se passa no terreno é obra do exército governamental? Como é possível um país ter dois exércitos? Como é possível? Beijinhos aqui da terra do Zambeze e do carvão. Sónia
Félix Gorane: olhe, Sr. Poisson, o vosso passado europeu, o vosso passado de brancos, está cheio de guerras e de milhões de mortos. Vocês não têm só um Ogum, têm muitos, aliás cada um de vocês é um perfeito Ogum. Produtores de guerras nas vossas Europas e Américas, trouxeram-nas para cá, instalaram-nas cá, viciaram-nos. E depois têm o descaramento de dizer que África só tem pobres, corruptos e guerras. Que descaramento, que hipocrisia, que desfaçatez! O que é no fundo a Renamo, senão um produto historico do vosso Ares, do vosso instinto guerreiro, da vossa propensão para a morte e destruição permanentes? Tenho dito por hoje. Cumprimentos. Félix
(continua)
Adenda: a série pode também ser consultada na minha página da Academia.edu, aqui; sobre como nasceu este deixa-falar, confira um texto do Geraldo dos Santos, aqui.

2 comentários:

  1. Eu não sei o que seria deste país sem o surgimento da Renamo.

    Como apreciador da História Contrafactual posso afiançar duas hipóteses:

    1. Limitação das liberdades em toda a sua plenitude;
    2. Continuação da pregação do sistema Marxista-Leninista, destruindo o tecido social existente no país;

    A Renamo veio, independentemente de quem a financiou, estancar estas hemorragias.

    Eu discordo totalmente da tese de que a Renamo surge como um "utensílio estrangeiro" para "domesticar" o país, senão vejamos:

    Quando um Estado priva o seu próprio povo de todos os direitos consagradas pela Constituição e outras leis internacionais (dos quais é signatário) é dever dos mais iluminados - em nome da fiscalidade do bem - intervir para estancar a situação.

    É papel dos países vizinhos, quando tal acontece, intervir para a salvação de quem está em perigo iminente de vida.

    Durante muito tempo aprendi que quando há um incêndio no jardim do vizinho temos de saber emprestar a mangueira para apagar o fogo.

    Foi o que aconteceu com a Renamo. Esta surge, antes de mais, da vontade do povo moçambicano em equilibrar o pêndulo da justiça.

    Mais vale ter um sistema em que o "vil metal" regula o homem e a sociedade do que um sistema em que, em nome de uma falsa igualdade, mutila-se o homem e destrói-se a sociedade.

    Diria o belga E.L. que "O marxismo está certo nas suas análises mas errado nas suas soluções."

    Pergunta "(...) o que se passa no terreno é obra do exército governamental?" Não é do exército e sim dos políticos. Quem manda no exército?

    Esta questão é tão complexa que não deve ser entendida desta forma, simplista, pois "a liberdade de dar um murro termina na face do adversário". E se esse adversário tiver armas - como é o caso da Renamo - não espere que ele fique quieto a lamber feridas.

    Os problemas deste país não é a Renamo, ela é apenas a ponta do icebergue.

    1. Temos uma carrada de universidades (mais do que poços de água) que formam para o desemprego. É assustador o número de desempregados existentes no país. Quer prova? Tente abrir uma empresa e lance um concurso público para ver quantos currículos irá receber. Gente que procura o primeiro emprego.

    2. Todos os dias cava-se em Benga. E todos os dias o povo vê sair carvão para o mundo fora. Ora, o povo de Benga vive de tubérculos silvestres, sem água potável, sem corrente ecléctica e sem carteiras nas escolas, porque a madeira que devia vir de Cabo Delgado, da Zambézia e de outros pontos do país, tem outros destinos.

    São apenas alguns exemplos.

    Pergunta "Como é possível um país ter dois exércitos?" As negociações de Roma teve seus túneis, como qualquer negociações.

    Vive alguns meses nos corredores da diplomacia internacional e o que vi assustou-me. A POLÍTICA É DEZ VEZES MAIS PERIGOSA DO QUE A GUERRA EM QUE SE MORRE UMA ÚNICA VEZ. EM POLÍTICA AS PESSOAS MORREM TODOS OS DIAS. OS POLÍTICOS SÃO BONS AUTORES E SABEM FAZER OS SEUS POVOS DE TABULEIRO QUANDO LHES CONVÉM. Há excepções, naturalmente.

    O país têm dois exércitos porque alguém deixou e anuiu. Aliás, não são dois. São milhares. Há o exército desarmado dos desempregados, dos descontentes, dos afortunados, dos excluídos. Tudo isto conta.


    Zicomo

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  2. "Uma Boa guerra é preferível à uma má Paz." [Nietsche]

    E a nossa paz, Senhoras e Senhores,- se é que é lícito chamar paz a esta permanente e crescente violência social-,deita pus em toda a sua constituição. É uma paz em processo de decomposição.
    E mesmo que se extermine fisica e ideologicamente a Renamo aparecerão outros moçambicanos que não aguentarão as desigualdades em escalada e a desporporção de oportunidades que se fez regra.

    " Na primeira noite, eles se
    aproximam e colhem uma
    flor de nosso jardim.
    E não dizemos nada.

    Na segunda noite, já não
    se escondem, pisam as
    flores, matam nosso cão. E
    não dizemos nada.

    Até que um dia, o mais
    frágil deles, entra
    sozinho em nossa
    casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso
    medo, arranca-nos a
    voz da garganta. E
    porque não dissemos
    nada, já não podemos
    dizer nada."
    [Maiakovski]

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