Se a sociologia nasceu nas cidades europeias para ajudar a organizar e a domesticar a mudança social, a antropologia nasceu nas colónias para ajudar os colonizados a pagar impostos e a trabalhar nas plantações. Operários, pobres e colonizados foram marcados com a diatribe cultural do atraso, da selvageria, mas, também, do perigo e, até, da loucura. No caso dos colonizados, a categoria de “negro” estabelece-se muito cedo e recebe a homologação filosófica de Hegel e dos racialistas do século XIX. Povos sem história, povos sem espírito, povos frigorificados no hedonismo, no sexo, na bebida, na dança, na magia. Segundo Hegel: “Os negros (..) Tal como hoje os vemos, assim foram sempre. Na imensa energia do arbítrio natural que os habita, o momento moral carece de poder preciso (...) África (....) Carece, pois, propriamente falando, de história (....) Porque não faz parte do mundo histórico, não mostra movimento nem desenvolvimento.” Existiram, claro, excepções. Montaigne foi, exemplarmente, uma delas. Mas o quadro geral tem vincadamente a linha hegeliana, que receberá ainda o sinete de sociólogos como Lévy-Bruhl e, já no século XX, o do missionário Placide Tempels. O nosso país pode ser tomado como exemplo em termos de como a antropologia leu, catalogou e frigorificou os africanos. A “tribo” foi a unidade constitutiva do Africano na leitura de missionários, militares e funcionários administrativos. Segundo eles, o africano habitava biologicamernte a tribo com a mesma tenacidade com que a agulha de uma bússola indica obrigatoriamente o norte qualquer seja o ponto onde nos coloquemos. Por isso um dos primeiros esforços empreendidos consistiu em catalogar os colonizados por tribos, ao mesmo tempo que se inventariavam os seus costumes, as suas formas de parentesco, os seus hábitos alimentares, as suas línguas, etc. Esse trabalho foi levado a cabo com a infinita paciência dos entomólogos. Aliás, o famoso missionário Henri Junod coleccionou primeiro borboletas antes de se dedicar a coleccionar os “bantos” da África Austral, com o mesmo fervor taxidermista e biologizante. São dele as seguintes palavras, numa obra clássica que destinou especialmente a administradores e missionários: “A vida de uma tribo do sul de África é um conjunto de fenómenos biológicos que devem ser descritos objectivamente, pois representam uma fase do desenvolvimento humano. À primeira vista, esses fenómenos biológicos inspiram por vezes uma certa repulsa. A vida sexual dos Bantos, principalmente, fere o nosso senso moral.” Esse trabalho de agrimensura tribal foi acompanhado pelos inquéritos, pela estatística, tal como nas cidades europeias em relação aos operários.
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