O eclipse [do social e do cultural] corresponde à percepção popular de haver uma crise. O ferro de engomar é a expressão, o símbolo da crise, a tradução fiel e dolorosa do assalto, do roubo, da violação, da punição absoluta, do agravamento insuportável das já precárias condições de vida.
No seu sentido médico original, a crise é uma perturbação que permite um diagnóstico. Transposto para o mundo social, o conceito tem dois níveis:
1.Revelador significante de realidades latentes ou subterrâneas;
2.Revelador significante de conflito.
Uma crise não só revela quanto desencadeia uma problematização. Esta problematização, por efeito e contra-efeito (inquietação ou angústia), põe em marcha um processo, frequentemente mitológico, de racionalização, digamos que de domesticação do desconhecido, destinado a colmatar a brecha e a inquietação sociais surgidas com a subversão do habitual. Nesse processo sinuoso, com uma fase terminal paroxística, a busca de culpados, de bodes expiatórios, joga um papel fundamental e trágico.
O ferro de engomar assume, então, o papel de um novo chupa-sangue, o símbolo que queima e extrai a vida dos pobres dos bairros periurbanos de Matola e Maputo.
Assumindo esse papel, o ferro de engomar é, ao mesmo tempo, uma crítica popular múltipla ao Estado considerado ausente e uma apelo à sua presença através da polícia e do provimento de serviços sociais essenciais.
Por trás da desordem, há um veemente apelo à ordem.
O ferro de engomar é o símbolo dessa dialéctica.
(Confira o texto integral do trabalho na edição 1023 do semanário "Savana" de 16/08/2013, aqui.)
Claramente um trabalho brilhante caro Professor.
ResponderEliminarE que permite sair da gritaria para pensar.
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