Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
Outros elos pessoais
▼
▼
21 dezembro 2011
Sobre a qualidade do ensino em Moçambique (35)
"Eu mesmo tenho frequentemente lembrado que, se existe uma verdade, é que a verdade é um lugar de lutas." (Pierre Bourdieu) Mais um pouco da série, trabalhando com o sumário proposto, rigorosamente apenas lançando ideias e hipóteses, procurando continuamente problematizar um tema que requer pesquisa aprofundada. 6. Factores marginalizados - mnemónica e alunos mata-borrão. Passo, agora, a considerar mais um factor. Creio ser possível defender que uma parte significativa do nosso ensino, aí compreendido o superior, assenta nos processos de memorização e de repetição mecânica. Por outras palavras, assenta na recusa do que Paulo Freire chamava pedagogia da autonomia. Prossigo mais tarde. Crédito da imagem aqui.
(continua)
Adenda: "Os debates nos meios de comunicação sobre a qualidade da educação parecem
sofrer da “síndrome do cobertor curto”: quando se puxa a reflexão para um lado, esquece-se outros lados do problema. Já dizia o velho Hegel que a verdade é o todo.
Parece uma casa em reforma em que se acredita que o problema está apenas no
encanamento: troca-se o encanamento, mas o chuveiro continua não funcionando
direito. Então, coloca-se de novo o encanamento antigo e troca-se a fiação elétrica. De
novo, o chuveiro não funciona. Volta-se a fiação antiga, e vai se consertar o telhado, etc.
Depois, alguém dá o veredicto de que a casa não tem jeito, que resiste às mudanças..." - texto do brasileiro Celso Vasconcellos intitulado "O desafio da qualidade da educação", sugerido por Manuel Lobo, aqui.
"... Neste contexto, há um elemento muito difícil de ser abordado, uma vez que pode ferir suscetibilidades. Queremos deixar claro que não falaremos de um ou outro professor em particular, mas de toda uma lógica cruel, de uma cultura que perpassa a escola moderna. Sabemos que para fazer algo equivocado não é necessário que o sujeito tenha intenção: basta que não pondere com mais cuidado sobre o conjunto de possíveis repercussões de sua ação. Indo direto ao ponto: a escola burguesa foi feita para não funcionar! A falta de resultados que frequentemente se denuncia, na verdade, é o resultado desejado por alguns (a produtividade da escola improdutiva). Fracasso não é fracasso, mas “busca da qualidade” (“O que seria da qualidade de ensino se todos fossem aprovados?”); seleção social através da escola não é seleção social, mas “preparação para a vida” (“A vida lá fora é cheia de momentos de tensão, de exames, concursos, disputas”). Desde o momento em que oferece escola para o povo em larga escala (final do séc. XVIII), a burguesia europeia, a rigor, oferece com uma mão e tira com a outra. Só para se ter ideia do que estamos falando, façamos algumas contas. A quantificação pode ajudar na tomada de consciência da real dimensão do problema. Imaginemos uma taxa de insucesso (reprovação + evasão) de 10% linearmente distribuída ao longo dos anos (e sem incidir sobre o mesmo aluno). Para cada 100 alunos que começam a 1ª série (agora 2º ano, considerando que no 1º ano não há reprovação), vocês têm ideia de quantos irão concluir com sucesso a 8ª série (9º ano), 8 anos depois? É só calcular: se iniciamos a 1ª série com 100, 90 a terminarão com sucesso, indo para a 2ª; terminarão com sucesso 81, e assim sucessivamente. Depois de 8 anos, dos 100 que começaram, apenas 43 terminarão a 8ª série com sucesso.
Portanto, 57% ficam pelo caminho! E vejam que ter 10% de fracasso parece ser bem razoável, normal: “Tinha 40 alunos, 36 passaram, está bom, pois atingi a grande maioria”). Ocorre que isto se dá todo ano, e não apenas na 1ª série... Só para “perder o sono”, é bom saber que em 2005, segundo o Senso Escolar, a taxa de insucesso escolar não era de 10%, mas sim de 20,5%! Em outros termos, daqueles 100, oito anos depois, apenas 16 (15,9) estarão concluindo com sucesso. Por mais que se possa atribuir problemas aos alunos, fica difícil não desconfiar que há alguma coisa de muito podre no reino da escola..." in "O desafio da qualidade da educação", Celso Vasconcellos
"O Fracasso não é fracasso, mas a busca de qualidade... A selecção social através da escola..."
A meu ver, estes factores sao consequencia da qualidade do docente, dos materiais de ensino e da pouca competencia e visao das direccoes escolares e universitarias na escolha das melhores estrategias de formacao.
Dou um exemplo, quando fiz Analise Matematica nos idos anos 90, os materiais recomendados de ensino da UEM eram em russo. Escusado sera dizer que os professores tambem. Os textos de apoio vinham em Portugues russificado que mal se entendiam. Recordo-me vivamente da recomendacao do Prof. Dr. Elyseev: " estes sao exercicios tipicos. Facam-nos todos. A matematica e uma linguagem universal, aprende-se pela pratica e repeticao". O certo e que, durante o semestre, o metodo funcionava. Ja no seguinte...la vinha a malfadada aula de revisao e dezenas de horas de estudo para recuperacao da materia!
Logo, por uma questao de sobrevivencia academica (e esse e um principio universal,lembrando tambem que muitos deles estao sujeitos a pressao da bolsa de estudos) o estudante convertia-se numa caixa de ressonancia do Professor. As poucas excepcoes a regra eram dos maus estudantes (que nao se esforcavam e desistiam a primeira contrariedade) ou dos estudantes brilhantes (isto e, com capacidade de demonstrarem ao professor que dominavam efectivamente a materia, e como tal, poderiam descobrir as "carecas" destes, passe o termo). E houve casos em que ate expedientes politicos e disciplinares foram usados para impor a REGRA do professor. Lembro-me de um docente de Analise Numerica da Engenharia que chumbava todos estudantes internos (bolsa completa) que nao fossem filiados na FRELIMO. E para tal, usava os dados da celula da OJM local para separar "mengelisticamente" as vitimas. Em suma, evaporada da sua genese, a nossa academia deixou de ser um local de debate, para ser uma incubadora de ideias pre-formatadas por alguns gurus, que por sua vez, tambem eram teleguiados por consultores do FMI, IDA e Banco Mundial. E assim, patrocinaram-se tantas arbitariedades academicas, que a Reitoria dizia ser produto da "imaginacao estudantil", porque o obejctivo central era montar a maquina perfeita para formatar o "Homus Frelimisticus" do amanha. Contudo, esqueceu-se da ciencia...
Apos Ruy Baltazar, nunca mais houve uma soberania academica plena na UEM. Decretou-se por exemplo, o fim das AJUs. E por diversos motivos, dentre os quais, a estagnacao tecnologica da economia nacional, fazendo com que os estagios se convertessem em borlas estudantis prolongadas. Sendo que as especialidades de ciencias aplicadas foram as primeiras a conhecer este infortunio. Hoje, todas as faculdades estao contaminadas por este virus.
Lembro-me tambem como se decretou o fim do BUSCEP (ou semestre Zero) onde as mentes brilhantes da UEM defendiam ser o antidoto para adaptar os mal preparados alunos do pre-universitario a vida universitaria. Lembro-me de ficar maravilhado com as teorias de aprendizagem sempre em busca da essencia das coisas que os professores holandeses (eram os maiores sponsers e mentores do BUSCEP) na Quimica, Fisica, Biologia e Matematica, desfazendo mitos e medos, e incentivando o espirito de investigacao dos factos para problematizar e compreender a ciencia. Decorar formulas, era desencorajado, pois o uso de tabelas era autorizado inclusive nos testes. Usar a calculadora, encorajado, inclusive no exame. Material didactico, formatado e preparado pelo professor, mas o estudante era livre de problematiza-lo na aula practica, com base em literatura, ou praxis quotidiana. Etc e tal...
E lembro-me tambem do arrenpendimento que tive quando transitei para a Faculdade de Engenharia da UEM e os professores russos e mocambicanos me disseram para fazer exactamente o contrario! Isto e, negar tudo o que tinha aprendido no BUSCEP e voltar a metodologia anterior da "mnemonica e alunos mata-borrao" que me acompanhara desde o ensino primario. Para concluir que afinal, todas nobreza e boa intencao do BUSCEP, era somente fachada para mais um subsidio em dolares...
Seja bem-vinda (o) ao blogue "Diário de um sociólogo"! Por favor, sugira outras maneiras de analisar os fenómenos, corrija, dê pistas, indique portais, fontes, autores, etc. Não ofenda, não insulte, não ameace, não seja obsceno, não seja grosseiro, não seja arrogante, abdique dos ataques pessoais, de atentados ao bom nome, do diz-que-diz, de acusações não provadas e de generalizações abusivas, evite a propaganda, a frivolidade e a linguagem panfletária, não se desdobre em pseudónimos, no anonimato protector e provocador, não se apoie nos "perfis indisponíveis", nas perguntas mal-intencionadas, procure absolutamente identificar-se. Recuse o "ouvi dizer que..." ou "consta-me que..."Não serão tolerados comentários do tipo "A roubou o município", "B é corrupto", "O partido A está cheio de malandros", "Esta gente só sabe roubar". Serão rejeitados comentários e textos racistas, sexistas, xenófobos, etnicistas, homófobos e de intolerância religiosa. Será absolutamente recusado todo o tipo de apelos à violência. Quem quiser respostas a comentários ou quem quiser um esclarecimento, deve identificar-se plenamente, caso contrário não responderei nem esclarecerei. Fixe as regras do jogo: se você é livre de escrever o que quiser e quando quiser, eu sou livre de recusar a publicação; e se o comentário for publicado, não significa que estou de acordo com ele. Se estiver insatisfeito, boa ideia é você criar o seu blogue. Democraticamente: muito obrigado pela compreensão.
"... Neste contexto, há um elemento muito difícil de ser abordado, uma vez que pode ferir suscetibilidades. Queremos deixar claro que não falaremos de um ou outro professor em particular, mas de toda uma lógica cruel, de uma cultura que perpassa a escola moderna. Sabemos que para fazer algo equivocado não é necessário que o sujeito tenha intenção: basta que não pondere com
ResponderEliminarmais cuidado sobre o conjunto de possíveis repercussões de sua ação. Indo direto ao ponto: a escola burguesa foi feita para não funcionar! A falta de resultados que frequentemente se denuncia, na verdade, é o resultado desejado por alguns (a produtividade da escola improdutiva). Fracasso não é fracasso, mas “busca da qualidade” (“O que seria da qualidade de ensino se todos fossem aprovados?”); seleção social através da escola não é seleção social, mas “preparação para a vida” (“A vida lá fora é cheia de momentos de tensão, de exames, concursos, disputas”). Desde o momento em que oferece escola para o povo em larga escala (final do séc. XVIII), a burguesia europeia, a rigor, oferece com uma mão e tira com a outra.
Só para se ter ideia do que estamos falando, façamos algumas contas. A quantificação pode ajudar na tomada de consciência da real dimensão do problema. Imaginemos uma taxa de insucesso (reprovação + evasão) de 10% linearmente distribuída ao longo dos anos (e sem incidir sobre o mesmo aluno). Para cada 100 alunos que começam a 1ª série (agora 2º ano, considerando que no 1º ano não há reprovação), vocês têm ideia de quantos irão concluir com sucesso a 8ª série (9º ano), 8 anos depois? É só calcular: se iniciamos a 1ª série com 100, 90 a terminarão com sucesso, indo para a 2ª; terminarão com sucesso 81, e assim sucessivamente. Depois de 8 anos, dos 100 que começaram, apenas 43 terminarão a 8ª série com sucesso.
Portanto, 57% ficam pelo caminho! E vejam que ter 10% de fracasso parece ser bem razoável, normal: “Tinha 40 alunos, 36 passaram, está bom, pois atingi a grande maioria”). Ocorre que isto se dá todo ano, e não apenas na 1ª série... Só para “perder o sono”, é bom saber que em 2005, segundo o Senso Escolar, a taxa de insucesso escolar não era de 10%, mas sim de 20,5%! Em outros termos, daqueles 100, oito anos depois, apenas 16 (15,9) estarão concluindo com sucesso. Por mais que se possa atribuir problemas aos alunos, fica difícil não desconfiar que há alguma coisa de muito podre no reino da escola..." in "O desafio da qualidade da educação", Celso Vasconcellos
"O Fracasso não é fracasso, mas a busca de qualidade... A selecção social através da escola..."
A meu ver, estes factores sao consequencia da qualidade do docente, dos materiais de ensino e da pouca competencia e visao das direccoes escolares e universitarias na escolha das melhores estrategias de formacao.
ResponderEliminarDou um exemplo, quando fiz Analise Matematica nos idos anos 90, os materiais recomendados de ensino da UEM eram em russo. Escusado sera dizer que os professores tambem. Os textos de apoio vinham em Portugues russificado que mal se entendiam. Recordo-me vivamente da recomendacao do Prof. Dr. Elyseev: " estes sao exercicios tipicos. Facam-nos todos. A matematica e uma linguagem universal, aprende-se pela pratica e repeticao". O certo e que, durante o semestre, o metodo funcionava. Ja no seguinte...la vinha a malfadada aula de revisao e dezenas de horas de estudo para recuperacao da materia!
Logo, por uma questao de sobrevivencia academica (e esse e um principio universal,lembrando tambem que muitos deles estao sujeitos a pressao da bolsa de estudos) o estudante convertia-se numa caixa de ressonancia do Professor. As poucas excepcoes a regra eram dos maus estudantes (que nao se esforcavam e desistiam a primeira contrariedade) ou dos estudantes brilhantes (isto e, com capacidade de demonstrarem ao professor que dominavam efectivamente a materia, e como tal, poderiam descobrir as "carecas" destes, passe o termo). E houve casos em que ate expedientes politicos e disciplinares foram usados para impor a REGRA do professor. Lembro-me de um docente de Analise Numerica da Engenharia que chumbava todos estudantes internos (bolsa completa) que nao fossem filiados na FRELIMO. E para tal, usava os dados da celula da OJM local para separar "mengelisticamente" as vitimas.
Em suma, evaporada da sua genese, a nossa academia deixou de ser um local de debate, para ser uma incubadora de ideias pre-formatadas por alguns gurus, que por sua vez, tambem eram teleguiados por consultores do FMI, IDA e Banco Mundial. E assim, patrocinaram-se tantas arbitariedades academicas, que a Reitoria dizia ser produto da "imaginacao estudantil", porque o obejctivo central era montar a maquina perfeita para formatar o "Homus Frelimisticus" do amanha. Contudo, esqueceu-se da ciencia...
Apos Ruy Baltazar, nunca mais houve uma soberania academica plena na UEM. Decretou-se por exemplo, o fim das AJUs. E por diversos motivos, dentre os quais, a estagnacao tecnologica da economia nacional, fazendo com que os estagios se convertessem em borlas estudantis prolongadas. Sendo que as especialidades de ciencias aplicadas foram as primeiras a conhecer este infortunio. Hoje, todas as faculdades estao contaminadas por este virus.
Lembro-me tambem como se decretou o fim do BUSCEP (ou semestre Zero) onde as mentes brilhantes da UEM defendiam ser o antidoto para adaptar os mal preparados alunos do pre-universitario a vida universitaria. Lembro-me de ficar maravilhado com as teorias de aprendizagem sempre em busca da essencia das coisas que os professores holandeses (eram os maiores sponsers e mentores do BUSCEP) na Quimica, Fisica, Biologia e Matematica, desfazendo mitos e medos, e incentivando o espirito de investigacao dos factos para problematizar e compreender a ciencia. Decorar formulas, era desencorajado, pois o uso de tabelas era autorizado inclusive nos testes. Usar a calculadora, encorajado, inclusive no exame. Material didactico, formatado e preparado pelo professor, mas o estudante era livre de problematiza-lo na aula practica, com base em literatura, ou praxis quotidiana. Etc e tal...
E lembro-me tambem do arrenpendimento que tive quando transitei para a Faculdade de Engenharia da UEM e os professores russos e mocambicanos me disseram para fazer exactamente o contrario! Isto e, negar tudo o que tinha aprendido no BUSCEP e voltar a metodologia anterior da "mnemonica e alunos mata-borrao" que me acompanhara desde o ensino primario. Para concluir que afinal, todas nobreza e boa intencao do BUSCEP, era somente fachada para mais um subsidio em dolares...
Decorar e cábulas.
ResponderEliminar