Outros elos pessoais

05 março 2011

Mal-estar na civilização (7)

"Todas as relações fixas e enferrujadas, com o seu cortejo de vetustas representações e intuições, são dissolvidas, todas as recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo o que era das ordens sociais e estável se volatiliza, tudo o que era sagrado é dessagrado, e os homens são por fim obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição na vida, as suas ligações recíprocas."
Prosseguindo a série. O ano passado, greves gerais agitaram a Europa, multidões surgiram nas ruas. Agora, multidões manifestaram-se e manifestam-se em África e no Médio Oriente. Eis seis perguntas de fundo: (1) estamos perante um mesmo tipo de crise?, (2) se sim, que tipo de crise?, (3) que tipo de actores protesta?, (4) os protestos são contra o quê e quem?, (5) quais as características dos protestos?, (6) qual o futuro dos protestos?
A crise de que falei no número anterior não é a dos alimentos em si, não é a do trigo mais caro em si, não é a dos preços em si, não é de coisas e de pessoas em si, não é a da crista das revoltas em si: é a crise global e estrutural de um sistema, do modo capitalista de produção e da sua mentalidade darwinista manifestando-se em múltiplos pontos da cadeia, crise que acentua a conflitualidade de hegemonias e a consequente militarização do mundo, crise que mutila a solidariedade, crise que destrói o meio ambiente, crise que torna mais severa as desigualdades sociais, crise que aprofunda as dificuldades de sobrevivência diária de milhões de pessoas, crise, enfim, que torna as pessoas agudamente sensíveis ao autoritarismo, à falsa liberdade, ao aumento dos preços, ao autoritarismo e à incerteza do futuro. Esta é uma crise que não é europeia, asiática, ameríndia ou africana, esta é uma crise que não é cristã, muçulmana, hindu ou ateia, esta é uma crise global e independente de continentes, de religiões, de modelos sociais e culturais e de estádios de desenvolvimento, ainda que mais acentuada nos países da periferia. Verdadeiramente estamos perante a senilidade do capitalismo, para usar uma expressão da Samir Amin. E, face à crise, que tipo de actores está na linha da frente dos protestos e das revoltas?
Prossigo mais tarde.
(continua)
Adenda: o título é o de um livro de Sigmund Freud.

1 comentário:

Seja bem-vinda (o) ao blogue "Diário de um sociólogo"! Por favor, sugira outras maneiras de analisar os fenómenos, corrija, dê pistas, indique portais, fontes, autores, etc. Não ofenda, não insulte, não ameace, não seja obsceno, não seja grosseiro, não seja arrogante, abdique dos ataques pessoais, de atentados ao bom nome, do diz-que-diz, de acusações não provadas e de generalizações abusivas, evite a propaganda, a frivolidade e a linguagem panfletária, não se desdobre em pseudónimos, no anonimato protector e provocador, não se apoie nos "perfis indisponíveis", nas perguntas mal-intencionadas, procure absolutamente identificar-se. Recuse o "ouvi dizer que..." ou "consta-me que..."Não serão tolerados comentários do tipo "A roubou o município", "B é corrupto", "O partido A está cheio de malandros", "Esta gente só sabe roubar". Serão rejeitados comentários e textos racistas, sexistas, xenófobos, etnicistas, homófobos e de intolerância religiosa. Será absolutamente recusado todo o tipo de apelos à violência. Quem quiser respostas a comentários ou quem quiser um esclarecimento, deve identificar-se plenamente, caso contrário não responderei nem esclarecerei. Fixe as regras do jogo: se você é livre de escrever o que quiser e quando quiser, eu sou livre de recusar a publicação; e se o comentário for publicado, não significa que estou de acordo com ele. Se estiver insatisfeito, boa ideia é você criar o seu blogue. Democraticamente: muito obrigado pela compreensão.