Outros elos pessoais

09 março 2011

Dos megaprojectos às mega-ideias (6)

Escrevi no número inaugural desta série que uma grande ênfase tem sido dada aos megaprojectos do país. O problema pode ser resumido assim: precisamos taxá-los, taxando-os a nossa vida melhora. Vou tentar discutir esse pressuposto com algumas mega-ideias.
Recordo o que escrevi no número anterior: para que, um pouco como na banal história da humanidade, possamos decisivamente passar da fase da recoleção para a fase da produção, é preciso que duas coisas estejam reunidas: um Estado ao serviço de uma burguesia social investindo na produção e uma burguesia ao serviço de um Estado social investindo no bem-estar dos cidadãos.
O que se segue mora apenas nos ideais, nos sonhos, é esse o seu rigoroso perímetro.
Para agir revolucionariamente, a pequena burguesia deveria suicidar-se como classe - eis o enorme desafio epistemológico lançado um dia por Amílcar Cabral. Eu, que sou apenas um modesto estudante do social, tenho um desafio certamente muito ingénuo, a saber: para que uma revolução surja é necessário que haja um Estado disposto a financiar uma burguesia que se suicide como burguesia de dumba nengue, de comissões e de rendas, que se erija e se reproduza para além do (1) comércio de esquina e (2) do parceirado das migalhas de rota na exploração dos recursos naturais e minerais. O que pretendo dizer como tão pomposa coisa? Prossigo mais tarde.
Imagem reproduzida de um blogue e de uma postagem de Novembro de 2010 intitulada "Transnacionais avançam sobre Moçambique",  aqui.
(continua)

3 comentários:

  1. Na minha percepcao, trata-se de um complexo de inferioridade reflexo de 500 anos de colonizacao e escravatura, que se conforma agora no orgulho de ser escravo, por se ter medo de ousar ser livre e desimpedido na arena internacional. Quem vai a Paris pedir dinheiro move-se com esse espirito, o que nao contradiz igualmente este texto que transcrevi anteriormente (http://www.publico.pt/Mundo/o-que-fazem-os-filhos-dos-ditadores-com-a-educacao-do-ocidente_1483576), demonstrando que toda preparacao de base e feita, com objectivos muito bem identificados. Alias, eu andava muito intrigado com uns dados estatisticos que possuo que revelam que mais de 90% dos mocambicanos formados nas univesidades dos PARCEIROS DE COOPERACAO DE MOCAMBIQUE estavam de algum modo relacionados com o partido no poder, ou ocupavam posicoes cimeiras no Governo. Se o adagio que defende a escolarizacao superior como base para a libertacao da pobreza material e moral dos mocambicanos for verdadeiro, entao nao foi isso que sucedeu ate hoje. Identico exercicio poderia ser feito em relacao aqueles que estudaram nos paises do ex-Pacto de Varsovia e outros. Os resultados seriam ligeiramente diferentes, mas incapazes de refutar as constatacoes acima.

    E sobretudo, nao acredito que aqueles PARCEIROS nao soubessem QUEM estavam a formar. Em suma, no V. mundo ideal ninguem e inocente. Nem o que os que submetem. Nem os que sao submetidos...

    Em relacao ao suicidio da pequena burguesia, so se for para permitir o nascimento de uma media burguesia forte, capaz de fazer o ELAN entre os pobres e os muito ricos. Como tem sido visto, a erosao da classe media e que tem estado na origem dos protestos sociais mais recentes.

    Em termos objectivos, iria sugerir ao Professor que estudasse atentamente a ascencao Afrikaaner no sec. XX enquanto grupo social desfavorecido, que se transformou em classe dominante da RSA. Para que as devidas ilacoes do nosso caso sejam retiradas desapaixonadamente e sem cliches...

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  2. Precisamos de voltar a ser um país COM OPERÁRIOS E CAMPONESES (produtores de alimentos e bens industriais). Para tal, precisamos de políticas que valorizem, de facto, não apenas da “boca para fora”, a produção agrária, assegurando o acesso a factores de produção e, FUNDAMENTALMENTE, a comercialização dos excedentes da produção agrária. Precisamos também de políticas industriais realistas, complementares da produção agrária, se quisermos criar valor ao que produzimos.

    Importa avaliar SEM COMPLEXOS o papel do Estado e dos Privados na economia, nas diferentes fases de desenvolvimento, PARTICULARMENTE, em sectores estratégicos, como a comercialização agrária (auto-consumo; excedentes, auto-emprego, fixação rural)

    Importa entender que o chavão “menos Estado, melhor Estado” de forma pragmática: menos Estado, sim, sempre que o Privado consiga, de forma EFICIENTE, substituir o Estado em áreas estratégicas: (i) comercialização agrária; (ii) transportes; (iii) saúde; (iv) educação, etc.

    Sou de opinião que importa entender/ rever o papel de INSTITUTOS como os dos Cereais, Algodão e Cajú e avaliar os resultados sua actuação hoje e no período colonial. “Nos tempos”, os Institutos dos Cereais e Algodão definiam, antes do início de cada campanha, os preços a que comprariam toda a produção que os comerciantes rurais não vendessem aos Armazenistas, a um preço que chamavam: preço base de sustentação. Se o mercado, cadeia: produtor -> cantineiro -> armazenista -> industria, não funcionasse, o ESTADO, através de um organismo autónomo, assegurava a compra de toda a produção e geria os stocks a nível das diferentes províncias: não havia excedentes por comercializar.

    Enquanto não houver um sector privado com capacidade para realizar com eficiência esta função, este papel, porque estratégico para o bem-estar da população rural e para a nossa auto-suficiência alimentar e obtenção de excedentes para exportação, cabe ao ESTADO (mesmo que para tal se opte por contratar gestão profissional privada).

    O apoio à produção e comercialização agrária tem resultados bem mais importantes que os Impostos cobrados aos Mega-projectos
    ___

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  3. Belas ideias, sr. Anonimo, mas responda:

    1- Se "...a comercialização dos excedentes da produção agrária. Precisamos também de políticas industriais realistas, complementares da produção agrária, se quisermos criar valor ao que produzimos...", entao o que se fara? Politicas proteccionistas como as do Brasil? Franchising? Rasgavamos os acordos com a UE, OMC e outros reguladores internacionais do mercado? E a electricidade, a agua, as vias fluviais, maritimas, aereas e terrestres e as telecomunicacoes privatizados ou semi-privatizados (PPP) criariam MAIS valor ao que produzimos?

    2-"...menos Estado, sim, sempre que o Privado consiga, de forma EFICIENTE, substituir o Estado em áreas estratégicas: (i) comercialização agrária; (ii) transportes; (iii) saúde; (iv) educação, etc...", e a soberania alimentar morreria? E as reservas estrategicas do Estado de cereais ficariam sob responsabilidade dos privados, mas nao e o que tem sucedido ate agora?

    3- Como equilibrar a minha questao 2, com "... Se o mercado, cadeia: produtor -> cantineiro -> armazenista -> industria, não funcionasse, o ESTADO, através de um organismo autónomo, assegurava a compra de toda a produção e geria os stocks a nível das diferentes províncias: não havia excedentes por comercializar...". Nao se esta a contradizer?

    4- E ja agora uma pergunta cabeluda, porque cargas de agua acha que Malan em 1948 determinou um endividamento da RSA que possibilitou o nascimento de grandes corporacoes estatais sul-africanas como a ESKOM, SPOORNET, SASOL que alavancaram a sua economia, inclusive em periodo de sancoes? E por que se foi ao extremo de transformar um sistema de ensino elitista e academico, num sistema plebeu e profissionalizante, transformando lavradores analfabetos em prosperos empresarios ferroviarios? Nao consta que o seu regime fosse de operarios e camponeses...

    Finalmente, tambem sou de opiniao que "...O apoio à produção e comercialização agrária tem resultados bem mais importantes que os Impostos cobrados aos Mega-projectos...". Sem duvida.

    So que, o que me parece, e que nos falta uma AUTORIDADE DA CONCORRENCIA isenta para regular o nosso mini-mercado. E nao o que se tem visto por ai. Um estado desregulador, monopolizador e ao servico dos acumuladores primitivos de capital e seus patroes estrangeiros!

    P.S.

    Nao nos esquecamos tambem do custo de fazer negocios em Mocambique (burocracia). Normalmente esquecemo-nos dele.

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