Outros elos pessoais

18 setembro 2010

Causas e características das manifestações em Maputo e Matola (10)

"Do rio que tudo arrasta se diz violento, porém ninguém diz violentas as margens que o comprimem" (Bertolt Brecht).
Mais um pouco desta série.
Escrevi no número anterior que havia cinco coisas sobre as quais iria escrever um pouco, designadamente: 1. Atracção pela moralização; 2. Protocolos correntes de leitura e análise na imprensa; 3. Características da revolta; 4. Possíveis causas; 5. Questões em aberto.
Colocadas, já, algumas ideias sobre o primeiro ponto, avanço para o segundo.
Neste segundo ponto, vou considerar quatro protocolos que foram correntes na imprensa no concernente à leitura e à análise das manifestações.
2.1. Aspecto capital nas manifestações populares foram as manifestações analíticas em relação às periferias, nascidas e sistematizadas no centro urbano. Aqui, tornou-se corrente o poder de estigmatizar e a produção sistemática de epítetos, de apodos, de etiquetas, de clichés, de estereótipos. Habitantes sem rosto das periferias consideradas perigosas e indóceis, os manifestantes foram enquadrados por certos canais de expressão do centro num mundo de caos, de delinquência primária, de juventude irresponsável, de selvajaria destruidora sem limites. Saque, tumulto, agitação, crime: eis alguns dos termos mais frequentemente usados. A criminalização dos habitantes das periferias foi sistemática no quadro das representações e das definições oficiais e pró-oficiais. Aqui e acolá, essa criminalização equivaleu a uma visão lombrosiana do desvio social e do crime. É como se estivessemos a ouvir as palavras que foram pronunciadas em 1989 pelo então presidente americano Bush (pai): "(...) não é a própria sociedade que é responsável pelo crime: os criminosos é que são responsáveis pelo crime" (alocução a estudantes por ocasião da "guerra à droga").
Vou hoje ficar por aqui, sugerindo-vos, porém, a leitura dos seguintes livros:
-Lewis, Oscar, Os filhos de Sánchez. Lisboa: Moraes Editores, 1970
-Fishbein, Harold D., Peer prejudice and discrimination. Colorado/Oxford: WestviewPress, 1996
-Amossy, Ruth et Pierrot, Anne Herschberg, Stéréotypes et clichés. Paris: Nathan, 1997
-Becker, Howard S., Outsiders, Études de sociologie de la déviance. Paris: Métailié, 1985
-Elias, Norbert and Scotson, John L., Logiques de l'exclusion. Paris: Fayard,1997
(continua)

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