Avanço nesta série com algumas hipóteses.
Parece ser sensato defender que a noite é um resguardo, um esconderijo para o linchamento impune posto em acto logo que alguém grita "ladrão" e se forma a multidão. Mas esse não é o real elemento percutor dos linchamentos. O elemento percutor é a conjunção de duas coisas nos bairros periféricos das nossas cidades: o roubo sistemático e o medo (especialmente nocturno) dos residentes. Os bairros periféricos - densamente habitados - são, regra geral mal iluminados e mal (ou nunca) policiados. As casas - muitas juntas umas das outras, na maior parte dos casos de construção precária - não dispõem dos dispositivos de segurança dos centros urbanos. Em meios habitados por muitos jovens e mulheres, o roubo campeia, reinam o desemprego, a cultura do presente, a ausência de economias, a vida em permanente exposição colectiva, o pequeno comércio retalhista, o consumo de bebidas alcoólicas e de drogas, a sobrevivência mediante expedientes e esquemas, o recurso imediato à rixa para resolver problemas, a ludicidade competitiva, a desconfiança e a repulsa para com os agentes e os símbolos das sociedade do bem-estar dos centros urbanos. Quando a noite chega, vem acompanhada do medo. E o medo, quando sistemático e cansado - e, portanto, ávido de bodes expiatórios e de catarse -, faz com que possamos ver assaltantes tanto reais quanto imaginários.
(continua)
Sugestão: sugiro leiam um importante comentário do antropólogo Paulo Granjo aqui.
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