Outros elos pessoais

10 abril 2010

Espíritos, feitiços e medos (3)


Mais um pouco da série.
Procurei mostrar que a indagação causal em curso na Escola Secundária de Muelé tem a ver com o supra-humano e, em particular, com o mundo dos mortos indignados. Por outras palavras, o mundo dos vivos é comandado pelo mundo dos mortos, mortos que, afinal, ainda são vivos de um certo tipo, mortos-vivos que é preciso respeitar, contactar e apaziguar caso fiquem indispostos.
Tal como o quadro descritivo nos foi apresentado, parece estar fora de questão que doenças como a SIDA e a malária possam ser as responsáveis pelas mortes. A causa dos males não tem a ver com entidades microbiais ou virais, mas com as volições de mortos perturbados; não tem a ver com "o quê", mas "com quem"; não tem a ver com o mundo visível, mas com o mundo invisível. E se tivesse a ver com a SIDA e com a malária, estas seriam unicamente doenças produzidas por espíritos indignados.
(continua)

2 comentários:

  1. Entretanto...

    Lendo o ZAMBEZE desta semana, ficamos a saber que na Maganja da Costa, Zambezia, morte de admnistradores provoca medo entre os dirigentes da Frelimo.

    Com efeito, de 2007 para ca, ja morreram dois administradores, um de acidente de viacao, outra de doenca. E um terceiro foi acometido de trombose.

    Prepara-se a nomeacao do quarto, mas Itai Meque ja mandou um grupo de avanco para dialogar com a populacao para saber "o que se passa no distrito...". Porque "...a situacao esta a meter medo as pessoas e a meter vergonha no distrito..." (sic).

    Ora ai tem, caro professor, nao importa o cargo que ocupam, todos afinam no mesmo diapasao!

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  2. Não é bem isso, Carlos.
    De acordo com essa lógica, os factores externos e materiais são reconhecidos e, em sentido estrito, eles explicam COMO é que a doença ou desgraça aconteceram.
    O que os antepassados, espíritos e feitiços vêm explicar é PORQUE é que aconteceram àquela pessoa.
    E mesmo assim, essas explicações só são mobilizadas (a não ser que exista a priori um consenso social para culpabilizar alguém) quando o acontecimento indesejável não pode ser assacado à ignorância ou negligência da vítima.
    Pegando no seu exemplo, se alguém fica seropositivo sem saber como a SIDA se transmite ou como evitá-la, a razão é a sua ignorância.
    Se sabe, mas costuma não usar preservativo, a razão é a sua negligência.
    Se costuma usar mas daquela vez não usou, tendo ficado infectado, aí é que entra a acção dos antepassados ou feitiços, para explicar porque não o fez.
    Em última instância, a causa de o mal ter atingido aquela pessoa é, como diz, projectado para os espíritos dos mortos que coexistem e agem sobre os vivos, ou então para a acção mágica de outros vivos. Mas essa explicação só é mobilizada quando existem coincidências perturbantes ou circunstâncias consideradas anormais, que se torna necessário às pessoas explicar.
    Porque, também de acordo com essa lógica, o acaso não é uma ideia aceitável - nem acabam por o ser tão pouco, por arrastamento, explicações de carácter exclusivamente psicológico ou sociológico.

    PS: Vi o seu recado. Irei contactá-lo amanhã.

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