Quando confrontados com problemas graves, procuramos sempre encontrar um responsável, algo ou alguém - regra geral alguém - que de nós receba a fúria e a catarse purificadoras.
Dois exemplos entre muitos outros, exteriores no espaço e no tempo a Moçambique.
Na Inglaterra, em 1832, quando a cólera se disseminou no país e fez milhares de mortos, vários médicos foram acusados de assassinato deliberado dos doentes "para pôr em prática técnicas de dissecação de cadáver e aprimorar seus conhecimentos de anatomia".
Em 1969, na cidade de Orléans, interior da França, começou a circular o boato de que judeus proprietários de lojas de roupas raptavam raparigas francesas para as vender como escravas após drogarem-nas em gabinetes de provas. À noite, era suposto as raparigas serem deportadas em submarinos para um destino tenebroso. Círculos parisienses chegaram mesmo a atribuir à esquerda francesa a responsabilidade do boato, tal como entre nós círculos de Maputo atribuem à Renamo os boatos da chuva amarrada ao céu e da cólera introduzida através do cloro.
O último caso foi estudado pelo sociólogo Edgar Morin e sua equipa e divulgado num excepcional livro em 1971 com o título "O boato de Orleáns", num modelo de pesquisa que me foi muito útil quando em 2003 fiz publicar "Cólera e catarse - infra-estruturas sociais de um mito nas zonas costeiras de Nampula".
Prosseguirei.
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