Entre Junho de 2002 e Maio de 12003, na província de Cabo Delgado, distrito de Muidumbe, 18 pessoas foram linchadas, acusadas de comandarem magicamente sete leões que comeram 46 habitantes. Todavia, os principais acusados de comandarem os leões à distância eram pessoas bem distintas: o administrador distrital, os régulos, membros do partido no poder, um comerciante, etc.
Não chove em Ionge, não chove na Zambézia, os habitantes acusam o Estado, os abastados e os simplesmente diferentes de prenderem a chuva no céu. Há comoção social, linchamentos.
A cólera afecta várias províncias, em Cabo Delgado, Nampula e Zambézia populares acreditam que o Estado e todos aqueles que procuram combater a cólera são os seus reais introdutores. Por sua vez, o Estado acusa a Renamo de ser a responsável pela "campanha de desinformação". E assim estamos em meio a uma grande comoção, em busca desesperada de bodes expiatórios.
Ora, em meu entender, ninguém melhor do que René Girard descreveu o pensamento, o imaginário social e os mecanismos de imputação causal que surgem (e regra geral desaguam no linchamento sacrificial), na história da humanidade, em momentos de crise, especialmente através do livro cuja capa e contra-capa estão em epígrafe (clique duas vezes com o lado esquerdo do rato sobre as imagens para as ampliar). No nosso país, tive-o em conta quando escrevi Cólera e catarse, livro publicado em 2003.
Entretanto, aguardem que eu prossiga a minha série com o título Ionge: populares acusam autoridades de prender a chuva no céu.
Adenda: com o título "Matar em nome da chuva", o semanário "Domingo" tem hoje um excepcional trabalho de reportagem da autoria de Bento Venâncio, ocupando as suas páginas centrais. Lá está todo o drama de comunidades "a braços com uma fome exacerbada pela falta de coco e cereais" (pp. 18-19; voltarei a este trabalho). Honestamente, o jornal não atribuiu à Renamo a responsabilidade pelo boato. Da mesma forma o "Notícias" não tem atribuído à Renamo a autoria da "campanha de desinformação" no tocante à cólera. No meu livro sobre a cólera social - anteriormente referido -, provei que o boato de que o Estado queria matar as pessoas introduzindo o cloro na água era completamente independente das filiações partidárias. Leiam-no e verão o cenário de privações de todo o tipo que estavam à retaguarda do boato surgido - boato-linguagem errada para expressar um problema verdadeiro.
(continua)
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