Outros elos pessoais

08 junho 2008

"À direita da direita" de Afonso dos Santos

O cronista Afonso dos Santos tem no "Savana" desta semana, com o título em epígrafe, uma crónica sobre a temperatura política do país e, em especial, sobre por que a Renamo não constitui alternativa à Frelimo. Eis o trabalho na íntegra:
Um dos traços principais da propaganda ideológica burguesa consiste em tentar convencer os trabalhadores e toda a sociedade em geral que os interesses de classe da burguesia são universais, quer dizer representam toda a sociedade, e não apenas os interesses da própria burguesia. Nesta linha ideológica, a burguesia procura fazer crer que já não se justifica falar em esquerda e em direita. Mas, enquanto a política de esquerda defende o papel do Estado na redistribuição da riqueza, a política de direita defende e pratica a total submissão do Estado aos interesses do mercado. A política de direita não é orientada para a elevação do bem-estar dos trabalhadores, mas sim para a sua exploração, pois considera que a função das classes trabalhadoras é a de criarem riqueza para a burguesia.
É claro que o linguajar dos partidos da luxuosa burguesia é sempre contrário àquilo que pratica, é sempre ilusório, mentiroso. Por isso passa a vida a babar-se sobre o povo. Existe, em Portugal, um partido que tem o atractivo nome de Partido Popular. No entanto, ele nada tem de popular. É o partido mais à direita, no espectro político português. Ora, esse partido faz parte da mesma família política, no plano internacional, na qual se insere a Renamo, conforme já foi várias vezes divulgado.
Em Portugal, os dois partidos com maior expressão eleitoral são o Partido Socialista (que está no Governo) e o Partido Social-Democrata. Neste momento, este último partido anda a enfrentar grandes dificuldades em definir a sua estratégia política. E isso acontece porque o Partido Socialista está a aplicar uma política de direita. Na prática, está aplicar a política do Partido Social-Democrata, o que faz com que este não tenha propostas alternativas de governação.
Algo de semelhante se passa em Moçambique. A Renamo não tem espaço político, porque o seu espaço político está ocupado pela Frelimo. Por outras palavras, o partido Frelimo aplica uma política que é a da direita mais reaccionária, que privatizou o Estado e o transformou num mero instrumento para fazer negócio, e que faz crescer escandalosamente a riqueza de uns poucos e a pobreza de muitos. Por isso a Renamo, sendo um partido de direita, não tem hipótese de apresentar propostas diferentes. Dedica-se apenas a guerrinhas de rivalidade, porque queria ser ela a fazer exactamente o mesmo que os outros andam a fazer ao país.
Desesperada, a Renamo entra na manobra surrealista de apelidar de marxista este partido Frelimo. Ora, isso é uma grosseira artimanha de manipulação que consiste no seguinte: uma vez que a Renamo é um partido da direita mais reaccionária, mas estando essa política a ser aplicada pelo partido no poder, e não tendo a Renamo qualquer política diferente dessa, então procura artificiosamente “empurrar” o partido Frelimo para a esquerda – rotulando-o de marxista –, para ver se encontra espaço ao centro. Ou então isso revela uma espantosa ignorância sobre o que é o marxismo, manifestando assim, a Renamo, uma entusiástica adesão à agenda governamental da “auto-estima”, que consiste em ter orgulho em ostentar falta de cultura geral. Como é que estes ignorantes querem chegar a governantes?
A propósito de ignorância: em muitos países, geralmente os líderes dos partidos que não formam Governo são deputados. Não são chefes da bancada parlamentar, porque estão ocupados na liderança do seu partido, mas são deputados, e fazem intervenções na Assembleia. A triste realidade é que este líder da oposição parece não ter capacidade política para ser deputado. Não está à altura de esgrimir argumentos num debate político em pé de igualdade. Só se expõe estando em posição de dar ordens. O actual Presidente da República também foi deputado no parlamento multipartidário Como é que alguém tem a pretensão de chegar a Presidente da República sem passar pelo parlamento?
A Renamo não consegue apresentar uma única proposta política. Qual é a política da Renamo para a Educação? Qual é o programa da Renamo para Moçambique recuperar da destruição radical do ensino que está a ser levada a cabo pelo partido no poder? A Renamo não está alarmada com essa tragédia? Ou a política da Renamo é igual? Ou, simplesmente, não está interessada no assunto, porque isso não dá dinheiro?
Convém sublinhar que esta política de direita do partido no poder é o fruto venenoso da guerra, pois era esse o objectivo desta. A guerra serviu para que os interesses dos usurpadores e exploradores se instalassem no poder, e, assim, a Renamo ficou órfã.
Com estas alternativas, votar (mesmo em branco ou nulo) apenas serve para dar credibilidade a uma farsa a que chamam democracia. É preciso colocá-los na posição de governarem sem base social de apoio e em minoria em relação ao conjunto do eleitorado. É preciso desfazer esse mito de que votar é um direito e um dever. Porque é um muito mau negócio este regime em que o cidadão apenas pode escolher entre o péssimo e o pior, de cinco em cinco anos, sendo marginalizado durante o resto do tempo. É um negócio em que o benefício para o cidadão é igual a zero.
Para fazer prosperar esse negócio de burla, o partido no poder impõe aos cidadãos um simulacro de ensino, para que não sejam capazes de ler um jornal. E desse modo vai também consolidando as condições para a proliferação de “jornalistas” que são incapazes de produzir notícias fidedignas e inteligíveis (p. 7).

4 comentários:

  1. Acho uma boa análise

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  2. Penso que continuamos a discutir o sexo dos anjos. Discordo primeiro com o argumento da necessidade de experiencia parlamentar, qual e o resultado palpavel dessa experciencia do PR? Muitas inconstitucionalidades para quem passou pelo legislativo, nao? Tenho que um dos maiores problemas que temos e o proprio sistema politico, que nao permite que ate o mais bem intencionado presidente possa ser um bom presidente. E muito peso numa mesma pessoa, que gera teias de cumplicidades e inercia que impedem qualquer possibilidade de efectivacao de um estado de direito com plena separacao de poderes, Executivo, Judicial, legislativo e Constitucional, enquanto nao mudarmos o nosso sistema politico estamos muito mal, teremos que depender da vontade do presidente. Existira alguma clausula que impeca o presidente nomear um Nelson Bata para ministro da saude alegando confianca politica? Nao! Estamos mal, muito mal mesmo, porque ninguem nasce com boa vontade, as instituicoes e que devem forcar ate os maus a serem bons governante e o nosso sistema nao incentiva isso.

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  3. O ultimo paragrafo toca-me no coração na verdade o sistema de ensino no nosso país é uma ruina.
    1º passa quem tem dinheiro
    2º o ambiente da sala de aula é pessimo
    3º Professores mal formados
    4º curriculo escolar fora do cenário actual
    5º pouc tempo de formação 10ª + 1 ano é professor não é possível para um aluno que aprende espoclo a martelo sem material didático nem acesso a internet.
    Na verdade é um projecto do governo p/ continuar a enganar o povo as pessoas não entenderem das burlas, eu tenho amigos professores que são descontados os seus magros salários para sustentar o partido no poder mesmo não sendo membros e, é isso que o governo quer pessoas que não reclamam dos seus direitos.

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  4. Epa! Epa! Epa!
    Muita calma nessa hora!
    Também não é assim: O articulista parece querer usar a renamo para descrever a frelimo ou o contrário? Aqui, estamos perante uma opinião e não verdadeiramente uma teoria, diria o professor.

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