Outros elos pessoais

25 abril 2008

Paulina Chiziane: "indígenas", "homem branco" e "mulatos" no seu novo romance

Chama-se "O alegre canto da perdiz", o novo livro de Paulina Chiziane, publicado em Portugal. Ainda não tenho, eu amo a escrita de Paulina (é para mim o melhor romancista moçambicano), apenas me resta chamar a vossa atenção para a entrevista dela ao Diário de Notícias online/Artes. Eis as suas palavras iniciais: "É um livro polémico. Tenho consciência, mas era preciso começar a discutir o problema. Olhávamos para o invasor como a causa dos problemas. A Zambézia é das províncias mais ricas, um lugar onde a exploração portuguesa foi muito forte. Se os portugueses eram tão poucos ali, como dominaram a província e o país? Qual a participação dos indígenas? Se parar para uma reflexão interna, a mão dos indígenas foi muito forte. A Zambézia foi a parcela do território com maior miscigenação. Como aconteceu? Será que as mulheres foram violadas? Será que se entregaram? Como é que a Zambézia tem tantos mulatos?"
Tendes aí os ingredientes de dois (outros são, porém, possíveis) apaixonantes temas para debate: (1) a gestão política colonial da Zambézia e (2) a mestiçagem. E isso é para mim tão mais apaixonante quanto estudei a história da província da Zambézia, milhares dos seus documentos escritos, montes de entrevistas, distritos percorridos um a um.

6 comentários:

  1. e se este livro fosse assimilado à um filho, Chiziana fê-lo com um branco também sendo assim a editora portuguesa sua salvação

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  2. Também gosto da escritora Paulina Chiziane.
     Como contributo para um melhor entendimento sobre tanta miscigenação, tanto Mulato na Zambézia, tomo a liberdade de sugerir à Paulina a leitura dum interessante artigo intitulado Prazos da Zambézia, de Gavicho de Lacerda (agricultor e publicista), páginas 134 a 138 do Boletim da Agência Geral das Colónias, nº 50, de Agosto de 1929, integralmente dedicado a Moçambique, do qual transcrevo a seguinte passagem:

     “ Foram estas terras encabeçadas com o propósito de aumentar as famílias livres, ajudando-as com património e domicílio. São estes Prazos, de livre nomeação, para andarem sempre em filhas, com obrigação de casarem com portugueses, nascidos no reino, condição de melhorarem as terras, e residirem nelas, sob pena de comisso. Os encabeçamentos eram feitos em três vidas, com prestação estipulada, guardando sempre de preferência as “fêmeas”.

     Ou seja, a mestiçagem da Zambézia resulta fundamentalmente de uma politica de colonização da Coroa Portuguesa.

    Um abraço,
    Florêncio

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  3. Obrigado pela referência - que conheço -, que darei a conhecer à Paulina caso me encontre com ela de novo. Porém, os Prazos jogaram um papel bem menos importante no centro do país do que pensamos em termos da política oficial. Os sertanejos (os "azungo") vindos do "Reino" e da Índia goesa criaram desde o século XVII (os Silva na Morrumbala, por exemplo) sistemas de gestão de terras (e de guerras infindáveis) e dinastias mesticizadas ao longo do Vale do Zambeze completamente independentes da Coroa portuguesa e dos Prazos. E foi contra essas dinastias independentes, com seus exércitos de "achicunda" ou de "adhari", que o pequeno exército regular de Portugal - amparado, porém, por montes de cipaios - teve de lutar no século XIX e nas primeiras duas décadas do século XX. E as famosas "donas" zambezianas (com seu imenso poder) são, em meu entender, menos produto dos Prazos do que dessas terras.

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  4. > No artigo que citei, Gavicho de Lacerda aborda os aspectos que o Professor refere.Cito: "...

    " Conquistada Goa, o grande Afonso de Albuquerque a fim de promover o estabelecimento dos portugueses, ligando-os às mulheres indígenas, concedeu-lhes, como se sabe, gratuítamente, uma vez casados, prazos constituídos por com terras confiscadas ás aldeias."

    " Foi isto na Índia. No Brasil, criaram-se as capitanias gerais."

    " O direito eufiteutico que, na idade média, serviu de base á civilização da Europa, foi posto em prática nos nossos territórios do ultramar, não tal como o havia sido ali, mas sim como nos tempos remotos da sua origem, aquando da decomposição do império romano."

    " No princípio, a terra, que nem estava ocupada nem tinha dono, constituía apanágio da Coroa. Foi o que aconteceu na Zambézia, quando os nossos maiores, aos mouros ou indígenas, a conquistaram."

    " Avassalando os territórios, os nossos colonizadores tinham em mira assimilar as populações autoctones, substituir os sultões mouros, e assim melhor consolidar o domínio português, aproveitando do feudalismo em que se encontravam todos os territórios da costa oriental. Nesta conformidade, puseram ao lado de cada "fumo" ou "inhacuana", um português, como, mais tarde, em Java, fizeram os holandeses. Esse português achava-se revestido de certo poder e autoridade, que pouco a pouco, absorveu e substituiu o poder das autoridades indigenas."

    " Deve ter sido esta a célula dos prazos da Zambézia. Dizia mais tarde Sebastião Xavier Botelho, na sua "Memória estatística sobre domínios portugueses na Africa Oriental", saída da Imprensa Nacional em 1834: "Todos os territórios dos Prazos têm vindo à Coroa por conquista e concessões, e poucos territórios há que não lhe pertençam, e sejam propriedade aloidal.

    > O embrião da miscigenação na Zambézia foi administrativo:

    (i) "...São estes Prazos, de livre nomeação, para andarem, sempre em FILHAS, com a obrigação de casarem com portugueses, nascidos no reino..."

    (ii) "... os encabeçamentos eram feitos ... guardando sempre preferência as FÊMEAS"... daí as Donas.

    Florêncio

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  5. a menos que esteja errado, creio que no início do sec xx, apenas a Maganja da Costa fazia frente a Metropole, e, não era dirigida por nenhuma donna...os reis nharingas, já tinham uma estrutura militar antes de Mpasso.

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  6. Este assunto é para mim muito interessante. Gostava de saber mais. Os casamentos dos “prazeiros” faziam-se com as filhas dos chefes de linhagens, penso - a aristocracia da terra e seguiam o modelo de família matrilinear do povo Macua.
    Estou certa?
    Lurdes Alexandre

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