Outros elos pessoais

06 abril 2008

O problema dos linchamentos



Foto e editorial (clique duas vezes com o lado esquerdo do rato sobre ambas as coisas para as ampliar) do semanário "Domingo" de hoje, p. 2. Naturalmente que estamos perante uma condenação legítima, quão legítimo é o pedido de criminalização dos linchadores. Porém, é pena que poucos de nós possamos ter acesso a dois documentos fundamentais para análise do fenómeno: (1) a um relatório da ACIPOL (Academia de Ciências Policiais), datado de 2007, que analisa os linchamentos no quadro geral de avaliação do desempenho do policiamento comunitário e expõe as percepções de muitas pessoas sobre, por exemplo, a polícia; (2) especialmente, a um excepcional estudo, com data de 14 de Março deste ano, com o título "Pesquisa de campo sobre factores de linchamento nas províncias de Manica e Sofala", efectuado pelo Comando Geral da Polícia. Esses dois documentos e, repito, muito especialmente o segundo, mostram-nos uma realidade que exige muito mais do que a simples condenação (legítima) dos linchamentos. Mais: o segundo documento aponta, por exemplo, para as consequências sociais que podem advir no caso do que os pesquisadores chamaram "detenção emocional de presumíveis linchadores", face à assunção colectiva do acto linchatório pelos "grupos de vizinhança". O problema, afinal, reside na dificuldade de irmos para além da condenação (aqui e em outros campos), interrogando o social o mais profundamente possível para restringirmos, de forma o mais eficaz possível, o crime colectivo e hediondo que o linchamento corporiza, por exemplo, no Brasil, na Tanzania, na África do Sul, na Guatemala, na Bolívia e em Moçambique. O problema está em, séria e honestamente, interrogar-nos sobre e estudarmos as razões por que, como sublinha o semanário "Domingo", os linchamentos "estão a tornar-se numa característica moçambicana" (o que é, afinal, rigorosamente falso), se quisermos evitar resvalar para a concepção inadmissível de que Moçambique produz seres irracionais, tomados pelos "instintos mais primários e brutais". Só resta acrescentar que é falso afirmar que "não se vê interesse efectivo no respectivo combate". Os dois relatórios que mencionei são a prova inequívoca de que o interesse existe. Uma vez mais, felicito a polícia pelo trabalho que está a realizar na pesquisa dos factores à retaguarda dos linchamentos.
Adenda: tenho para mim que o fenómeno dos linchamentos tem a ver com um agregado de factores e com um clímax em alguns centros urbanos do país, que vai, portanto, muito para além da presença, da ausência ou da ineficiência da polícia. Em tempo devido mostrarei por quê.

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