Outros elos pessoais

02 fevereiro 2008

De novo racismo e etnicidade (3) (fim)

Quanto mais forte for o potencial de comunitarismo e, portanto, de recusa do Outro, mais forte é, também, o apego à tradição e ao conservadorismo. Assim, as percepções sobre racismo e etnicidade têm, por hipótese, afinidade com outros tipos de percepção, que vou agrupar no que chamarei "stock de tradições", a saber: liderança tradicional, causalidade e fatalidade extra-humana e pobreza entendida como ausência de afectividade relacional.
As lógicas comunitárias recrudescem na proporção directa da exclusão social em curso no país e das assimetrias sociais existentes.
Quando está em causa a luta política imediata e o acesso privilegiado a recursos de poder, os exercícios identitários de categorização social tornam-se rapidamente estratégicos e agudos, ganham um corpo doutrinal acabado e visam deliberadamente soluções "ganhantes".
A alteridade do Outro surge como um alvo a atingir e a recusar.
A busca de bodes expiatórios raciais, por exemplo, torna-se inevitável : um grupo "racial", geralmente minoritário, com grande visibilidade somática, é considerado o responsável dos males sociais.
Como alguém escreveu: "(…) nesta situação, não é a força do dominante, numa relação social ou intercultural que funda o preconceito, é a combinação de dois elementos: por um lado a crise do actor, a sua fraqueza, o seu sentimento de queda ou de ameaça, e, por outro, a sua capacidade de ir buscar as suas referências históricas e culturais à inferioridade manifesta de um grupo já racizado, os elementos de uma identidade não social, negativa para o outro - assimilado ao mal e à inferioridade - e positiva para o actor racista."
Podemos, então, falar em "etnicidade estratégica" e em "racismo estratégico". Assim contextualizados, estes fenómenos nada têm a ver com o velho homo clausus de um certo passado primordial e, no caso da etnicidade, com o "essencialismo" etnológico.
Adaptado de Serra, Carlos (dir), Racismo, etnicidade e poder. Um estudo em cinco cidades de Moçambique. Maputo: Livraria Universitária, 2000, pp. 25-27.

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