Outros elos pessoais

25 janeiro 2008

Para que servem tribo e raça? (2) (prossegue)

Suponhamos uma coisa improvável: o da existência no país de um bairro, chamado Bairro do Equilíbrio, onde vivem pessoas de várias etnias e raças. Suponhamos que todas elas vivem sabendo (claro) que são diferentes, que as suas origens étnicas são diferentes, que as suas raças também. Suponhamos que a consciência dessas diferenças não é suficiente para que surjam movimentos proclamando que uma dada etnia é superior às outras etnias e/ou que uma dada raça é superior às outras raças. E suponhamos que a inexistência de movimentos de preeminência imaginada ou substantivada se deve ao facto de as diferenças sociais não serem suficientemente amplas e visíveis para que a diferença seja erigida em demarcador de luta excludente.
E suponhamos que nesse bairro chegou a hora de se eleger o presidente do bairro. Existe um edifício que se chama Presidência do Bairro. Lá há tudo o que uma presidência de bairro deve ter: salários, viaturas, um fundo de despesas várias e coisas assim meritórias e apetecidas. Suponhamos, finalmente, que foi um deus perverso quem criou isso tudo, de um dia para o outro.
Nota: a qualquer momento posso modificar algo aqui. Se isso suceder, assinalarei com uma cor distinta no texto a modificação ou o acréscimo.

15 comentários:

  1. Há todos condimentos para um amplo debate mas também tenho que reconhecer que há condições reunidas para um conflito tribal e racial.
    Estarei atento a este tema.

    Abraço

    Maxango

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  2. É preciso visto no meu passaporte para entrar no "suponhamos".

    Onde me devo dirigir!

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  3. É fácil, o Sr. Suponho está logo à entrada do bairro...

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  4.  Vorster dizia que a Africa do Sul era um país de minorias. Argumentava que aquilo a que chamamos etnias (Zulus, Xhosas, Tswanas, etc.) são, efectivamente, nações/civilizações, com território, base genética, língua e cultura próprias. Qualquer delas, isoladamente, é minoritária em relação ao somatório das restantes.
     Nesta perspectiva, entende-se a posição assumida em tempos pelo Américo Fumo: para um Maconde, Ajaua, Angoni, Tsonga, etc., um Macua-Lomué, como Canana, era realmente um estrangeiro: língua-mãe e um conjunto de convenções sociais, valores, diferentes.
     O importante é entender e aceitar a realidade do país que hoje somos, com fronteiras que não escolhemos. Entender que, independentemente da origem genética ou cultural, todos os que reúnam os requisitos para o acesso à identidade Moçambicana devem ter os direitos e obrigações que a Constituição outorga.
     Constituição = nova pátria: saibamos respeitá-la.

     Um Abraço
    Florêncio

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  5. O meu problema, Florêncio, não é esse: o meu problema é procurar mostrar como a identidade se torna "agressiva" quando em causa está a disputa de "recursos de poder".

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  6. Professor,
     No Oásis descrito na postagem, “… diferenças sociais não serem suficientemente amplas e visíveis para que a diferença seja erigida em demarcador de luta excludente”, o poder seria ocupado, certamente, com base na competência, no mérito.
     Para que tais Oásis sejam uma realidade, há um longo caminho a percorrer: precisamos aprender (aceitar) que democracia é, fundamentalmente, consciência social, maior equidade na distribuição do PIB.

    Abraço,
    Florêncio

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  7. Sem dúvida, Florêncio. Mas as coisas tornam-se difíceis quando discutimos a posse de recursos...Difícieis e muitas vezes graves, dramáticas. Deixe prosseguir a série, certamente depois será mais adequada a discussão.

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  8. Na verdade "a coisa" é muita mais redutora: o poder. Porque quem tem o poder - neste caso o político - tem o acesso ao que a tomada de poder em paíse africanos significa; o acesso ao dinheiro e à riqueza. Estão a imaginar a maioria dos politicos que conhecemos se para exercerem o poder tivessem de pagar? ou pelo menos se não fossem mais remunerados por isso? Não haveria voluntários certamente.
    A etnia, a raça, a nação, são meros pretextos.
    Quais seriam os argumentos utilizados se simultaneamente o candidato fizesse campanha em dois "bairros" com composição social/étnica diferentes?

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  9. Sem dúvida que esta coisa do "poder" (prefiro falar em "relações de poder") é uma coisa realmente complicada.Remuneradora, mas frequentemente trágica nos campos políticos mais estritos, mais ligados ao Estado. mas o campo político é múltiplo: num destes dias tentarei mostrar isso no tocante à blogosfera (onde o discurso de apoliticidade é regra geral um discurso politicamente claro, com apelo sistemático aos fiéis na luta contra os infiéis). Por agora, deixe-me tentar operar apenas com um bairro, modesto, inexistente.)

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  10. O poder não somente uma ponte para o acesso à riqueza.É uma espécie de espelho onde o resto da "nação" procura se rever. Mesmo na edílica América descrita no artigo de "O País" as questões de identidade não são negligenciadas. John Kennedy esteve quase a perder as eleições que o tornaram presidente não por ser negro ou índio, mas porque era católico. Ele foi o primeiro não protestante a lograr vencer eleições presidenciais na América.

    O que estou a tentar dizer é que o ser protestante era (e talvez continue a ser) um factor identitário muito forte na América. Que pode fazer perder eleições.

    Portanto, para além do poder há outros factores que entram. As pessoas sentem-se confortáveis quando são governadas por alguém que elas sintam que, com ela, partilham valores, referências, passado e futuro. E isso, infelizmente, não é outorgado por um simples documento legal. Há outros factores que entram. E isto é assim em todo o lado. Há, por exemplo, muitos británicos de origem paquistanesa ou negra. Há alguma possibilidade de, no curto prazo, algum deles conseguir chegar a Primeiro Ministro daquele país?

    Gabriel Matsinhe

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  11. Obrigado pelo que escreveu. Vamos a ver a continuidade da série.

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  12. O Matsinhe referiu alguns exemplos excelentes! A questao que lhe faco, para clarificacao, e' a seguinte: Que analogia e' que faz para o caso mocambicano? Ou sejam, quem seriam os "catolicos","protestantes","paquistaneses" ou "negros"? Ou em centavos ainda, estara', no caso mocambicano, a referir-se a racas, tribos ou etnias?
    Um abraco

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  13. Caro Jonathan, não creio que o problema possa ser colocado nesses termos. Eu não iria dizer quem se pode ou não candidatar-se a Presidente da República aqui em Moçambique. Os americanos não o fazer explicitamente. Os franceses não o fazem explicitamente. Os portugueses não o fazem explicitamente. Mas em qualquer um desses países um indiano ou um negro só por milagre poderia ser eleito para os mais altos cargos daquelas nações. Nào porque sejam impedidos de secandidatar. Mas porque uma mão invisível se encarrega de lhes impedir o acesso. Essa mão invisível funciona como uma crença colectiva, nacional, que determina quem deve ser eleito para os mais representativos cargos nacionais.

    Ninguém, no seu perfeito juízo, escreve essas coisas Jonathan. No entanto, um negro dinamarquês sensato conhece suas possibilidades na Dinamarca.

    Gabriel Matsinhe

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  14. Caro Matsinhe,
    Obrigado pela tua resposta! No entanto, ficaria satisfeito se da maneira elucidativa que te referes aos casos "exteriores", falasses do caso mocambicano! Percebo, no entanto que, em relcao a pergunta que te fiz, a tua resposta esteja a pender para "RACA" (espero nao estar equivocado, hehe).

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