Outros elos pessoais

26 janeiro 2008

Maputo: de novo polícias e cães-polícias contra os guerrilheiros do informal


Depois de um interregno, de novo a polícia e os cães-polícias estão na rua para expulsar os vendedores ambulantes dos passeios e das esquinas da cidade de Maputo, numa luta de trincheiras sem tréguas de ambos os lados.
Com efeito, uma vez mais o exército convencional da polícia faz frente aos guerrilheiros do informal na cidade de Maputo, após a ofensiva sem glória de Outubro/Novembro do ano passado. Quando aquele avança e "dispara", julga ter destruído o campo inimigo. Mas este usa a guerrilha e move-se rapidamente e ocupa novas áreas. E se as forças armadas deixam o campo anterior, nos interstícios surgem de imediato, com golpes audazes e inesperados, os guerrilheiros do informal. E por quê? Resposta dada há tempos por Mateus Cossa: "O Conselho Municipal diz para nós irmos aos mercados mas é aqui onde nós conseguimos vender qualquer coisa que garante a nossa sobrevivência e das nossas famílias".
O mundo de todos os Mateus Cossas é o das tácticas de sobrevivência: sem lugar definidor, os seus actores lutam no campo dos outros, definidos por eles. Sem um “próprio”, eles só podem jogar nas malhas e nos interstícios das regras dos actores do outro mundo. O seu horizonte é o dia-a-dia, o seu território é o da astúcia, do entre-dois dos sobreviventes, dos golpes rápidos, da vertigem dos momentos, dos cálculos de circunstância, dos biscates, do vende e revende, das regras, enfim, de uma outra concepção de vida urbana. Como diria Michel de Certeau, o que aí se ganha não se guarda.
Nota: este diário tem muitas entradas sobre o tema. Pode buscá-las escrevendo "guerrilheiros", "informal" ou "quinquilharia" no "pesquisar no blogue" situad0 no canto superior esquerdo deste portal
Adenda: Em comentário, um leitor escreveu o seguinte: "Eneas Comiche sabe bem que o problema da economia informal não se resolve pela via administrativa. Sabe que insistir nessa opção é aceitar manchar as mãos de sangue - porque vai gerar violência gratuita: luta-se pela sobrevivência (i) vendendo no informal, ou (ii) em alternativa e na falta de emprego, abraçando diferentes formas de criminalidade. Eneas Comiche sabe que a raiz do problema, é económica e não administrativa. Os nossos informais sabem que o sucesso nas vendas passa, cada vez mais, por levar o produto ao cliente. Por isso lutarão contra o acantonamento, que representa a morte do negócio. Todos desejamos que dia após dia reduza o número de informais, MAS, que tal resulte da sua absorção pela economia formal e não de medidas meramente cosméticas." (veja em comentários no interior desta postagem).

7 comentários:

  1. Em qualquer parte do mundo civilizado tem que haver regras nas cidades. Os vendedores informais sabem que existem espaços que os municípios lhes destinam. Por isso eles devem ser consciencializados de que devem cumprir. Uma cidade ordenada e limpa também serve a saúde dos informais. E mais não disse.

    ResponderEliminar
  2. Como cidadão, estou de acordo consigo. Estar de acordo consigo, significa para mim estar de acordo com certo tipo de regras de vida em cidades, com certo tipo de limitações, com um certo tipo de ordem, com certos valores. Mas como estudante da sociedade, sou obrigado a tentar compreender quais são as regras que presidem ao comportamento daqueles que, o Tivane e eu, entendemos não as terem. Por outras palvras, regras que não são as nossas, mas que são regras também.

    ResponderEliminar
  3. Mas não seria mais lógico estudar as regras a que os informais devem obedecer e divulgá-las? Este é o problema. Tenho dito.

    ResponderEliminar
  4. A selecção do tema e do ângulo de análise dos fenómenos sociais depende de muitos factores, como sabe. E as regras às quais se devem cingir os "informais" têem sido enunciadas e anunciadas por quem de direito.

    ResponderEliminar
  5. Caro Tivane,
    No semanário português “Expresso” de hoje 26/01/08 Manuela Ferreira Leite, economista e política (oposição) parece responder à questão que levantas. Cito:

     " Numa sociedade democrática, o mais importante dever cívico é o cumprimento das leis a que corresponde uma sanção adequada para quem as viole.
     Por isso é elementar que quem legisla o faça de modo a que os objectivos sejam claramente apreendidos pelos destinatários, sem o que não poderão ser responsabilizados de forma justa.
     Para isso as leis têm de ser transparentes e não obscuras de modo a não permitirem múltiplas e díspares interpretações porque, neste caso, abrem a porta à arbitrariedade e ao abuso dos que executam e fiscalizam a sua aplicação.
     É por isso que os órgãos da Administração Pública surgem, em muitos casos, como símbolos da prepotência em matéria de fiscalização, esquecendo-nos que a origem do problema pode estar no legislador.
     É a este que compete aferir escrupulosamente a razoabilidade do que impõe e perspectivar o impacto que as normas terão sobre as situações concretas dos cidadãos e das empresas, preocupação que nem sempre tem estado presente, tornando algumas leis polémicas.
     Em vez de simples e eficazes, temos leis labirínticas e irrealistas que muitas vezes exprimem de forma ínvia aquilo que não se tem a coragem política de afirmar com nitidez.
     Esta prática tem de ser corrigida sem demora. “

    >> Sobre os nossos informais:

     Eneas Comiche sabe bem que o problema da economia informal não se resolve pela via administrativa. Sabe que insistir nessa opção é aceitar manchar as mãos de sangue - porque vai gerar violência gratuita: luta-se pela sobrevivência (i) vendendo no informal, ou (ii) em alternativa e na falta de emprego, abraçando diferentes formas de criminalidade.
     Eneas Comiche sabe que a raiz do problema, é económica e não administrativa.
     Os nossos informais sabem que o sucesso nas vendas passa, cada vez mais, por levar o produto ao cliente. Por isso lutarão contra o acantonamento, que representa a morte do negócio.
     Todos desejamos que dia após dia reduza o número de informais, MAS, que tal resulte da sua absorção pela economia formal e não de medidas meramente cosméticas.

    Abraço,
    Florêncio

    ResponderEliminar
  6. Destaquei a parte final do seu comentário em adenda à postagem.

    ResponderEliminar
  7. florencio, obrigado pela tua excelente abordagem sobre o informal. e tenho a mesma sensacao de que o presidente sabe que esta medida administrativa vai gerar violencia, onde o resultado sera rotular os informais de criminosos e inimigos do estado. a solucao encontrada nao é a melhor, pode parecer atraente, mas revela-se uma solucao de quem estudou mal os problemas da cidade de maputo.

    ResponderEliminar

Seja bem-vinda (o) ao blogue "Diário de um sociólogo"! Por favor, sugira outras maneiras de analisar os fenómenos, corrija, dê pistas, indique portais, fontes, autores, etc. Não ofenda, não insulte, não ameace, não seja obsceno, não seja grosseiro, não seja arrogante, abdique dos ataques pessoais, de atentados ao bom nome, do diz-que-diz, de acusações não provadas e de generalizações abusivas, evite a propaganda, a frivolidade e a linguagem panfletária, não se desdobre em pseudónimos, no anonimato protector e provocador, não se apoie nos "perfis indisponíveis", nas perguntas mal-intencionadas, procure absolutamente identificar-se. Recuse o "ouvi dizer que..." ou "consta-me que..."Não serão tolerados comentários do tipo "A roubou o município", "B é corrupto", "O partido A está cheio de malandros", "Esta gente só sabe roubar". Serão rejeitados comentários e textos racistas, sexistas, xenófobos, etnicistas, homófobos e de intolerância religiosa. Será absolutamente recusado todo o tipo de apelos à violência. Quem quiser respostas a comentários ou quem quiser um esclarecimento, deve identificar-se plenamente, caso contrário não responderei nem esclarecerei. Fixe as regras do jogo: se você é livre de escrever o que quiser e quando quiser, eu sou livre de recusar a publicação; e se o comentário for publicado, não significa que estou de acordo com ele. Se estiver insatisfeito, boa ideia é você criar o seu blogue. Democraticamente: muito obrigado pela compreensão.