Outros elos pessoais

10 outubro 2007

Menina responde à pergunta: o que fazer com um ladrão?

O trabalho de pesquisa sobre linchamentos da UDS prossegue em várias e complexas frentes. Uma dessas frentes consiste na análise de conteúdo de redacções feitas por centenas de alunos de escolas primárias de Maputo, Beira e Nampula. A pergunta é simples: o que fazer com um ladrão? Já aqui apresentei alguns exemplos de respostas. Eis mais um exemplo de uma resposta - singularmente espantosa -, dada por uma menina algures no país, que igualmente desenhou etapas da punição que propôs (se houver dificuldades de compreensão, digam-me algo em comentário, eu ajudarei; e clique duas vezes com o lado esquerdo do rato sobre as imagens para as ampliar):

36 comentários:

  1. professor! eu não sei até onde o país vai com esse tipo de mentalidade. se as meninas que, normalmente, são tidas como mais sensiveis pensam assim, que esperar dos rapazes?
    volto a comentar amanhã.
    Jorge saiet

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  2. Trabalhamos ainda no tratamento estatístico dos dados. Há-de chegar a altura de apresentar a análise. Abraço.

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  3. Isto é mais do que um linchamento com pneu. Mas que ideia dessa menina.

    ABC

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  4. Deixem-me dizer uma coisa estupidamente estúpida: o ser humano (talvez fosse melhor dizer o "ser social") é uma uma entidade muito complexa. Mas altura haverá, repito, em que uma análise será dada a conhecer.

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  5. Interessante estudo. Estou estupefacto. Para quando a publicação dos resultados?

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  6. Prossegue ainda. A 14 de Novembro, segundo seminário da UDS (Faculdade de Medicina, 16 horas), divulgaremos os primeiros resultados analíticos desse tipo de fenómenos. E veremos o que terá a dizer a investigadora brasileira Jacqueline Signoretto sobre o Brasil...

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  7. A sociedade está assustadoramente doente.
    As mentalidades são, numa dose muito generosa, o fruto do ambiente em que se formam.
    Espero que o resultado do estudo nos indique que estes casos são uma excepção. Caso contrário estaremos num caminho de retrocesso a um patamar subhumano.

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  8. Aguardemos os resultados. Há coisas muito complexas a ter en conta.

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  9. Hummm... Criança sábia! Deve ter visto muitas imagens de tortura!
    Lhe dou boa nota! Vai ser criminologista do sistema, pelo andar da corroça!
    É o meio que aguça esse imaginário! Muito desamparada e entregue à bicharada! Provavelmente, precisa de aprender numa outra escola... outras maneiras de pensar e, sobretudo, vivê-las. Houve efectivamente uma regressão cognitiva nacional!

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  10. Estamos ainda a estudar a frequência de certos termos digamos punidores nas redacções da crianças. Mas não são poucos.

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  11. Análise de conteúdo? Apenas frequências de categorias? Não é possível estabelecer associações com outras variáveis? Idade? Categoria sócio-proffisional dos pais? etc.

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  12. E, dado estar ligado com a Faculdade de Medicina, poderiam tentar associar esses dados com os níveis hormonais. Com a medição dos dedos (ratio 2D:4D), poderiam obter dados muito interessantes.

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  13. Não, nesse campo não estamos a trabalhar com variáveis. Decidimos não o fazer. Apenas as temos nos questionários. Acresce que a nossa amostra não é probabilística e a nossa intenção é, por agora, apenas a de colher tendências em escolas situadas nos bairros considerados mais problemáticos em termos de linchamentos. Acresce que temos de usar sempre de muito prudência para obter informação fiável dada a cultura do silêncio que rodeia o fenómeno linchatório.

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  14. Aqui não é a cultura do silêncio mas a do «trauma». Em Portugal, é tudo traumatizado ou então suspeito. Conheço estudos com crianças mas com amostras clínicas (CAH). Resultados interessantes.

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  15. Infelizmente pouco consigo comentar sobre esta realidade. Nao preciso "desta" redacao para saber que este tipo de resposta comeca a ser "tao mais comum" do que imaginamos...

    Qual sera o fim disto tudo? Ou ja estamos nele e nem nos dignamos a perceber que o fundo do tunel e mesmo... AQUI!
    Bjs meus

    P.S. Acho que por as meninas serem mais sensiveis que a resposta chega a tanto...

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  16. Me assusta pensar que se pense assim, ainda por cima, por crianças. Algo está muito mal na nossa sociedade. Aguardo com ansiedade os resultados da vossa análise. Muita força para a sua equipe!

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  17. Tentaremos lá chegar, à possibilidade de análise. O interessante é que todas essas crianças tem uma Disciplina de Educação Cívica e Moral...

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  18. Este comentário foi removido pelo autor.

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  19. Este comentário foi removido pelo autor.

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  20. Criança muito inteligente esta. Vejamos porquê:
    1. Tem noção de que o património de outra pessoa não deve ser subtraído ilicitamente, portanto tem alguma noção de Direito penal;
    2. Tem noção dos dez mandamentos, mormente do 9º mandamento " não furtarás".
    3. Sabe que quando alguém subtrai ilicitamente coisa de outrém há que se aplicar uma pena por forma a que o criminoso não pratique novamente a infracção,e, por outro lado, sabe que a sanção aplicada intimidará a sociedade no seu todo, a não enveredar pelo caminho trilhado pelo sancionado, portanto, esta criança tem alguma noção dos fins das penas.
    4. A criança sabe que há uma necessidade de reabilitar um homem com comportamentos desviantes. Por isso sugere que o crimonoso seja levado a igreja. Ela sugere isto por conhecer o papel desta instituição na sociedade.
    5. Depois procura repôr os dedos do criminoso. Isto significa alguma coisa...será arrependimento? Não sei!!
    É verdade que a criança pode ser acusada de não ter noção de direitos humanos. Sim, não tem... Pode ser acusada de não ter valores que são universalmente aceites pelos Estados civilizados, nomeadamente, o respeito pela vida de outrém. Mas isso, quanto a mim, não retira a sua inteligência...
    Por outro lado, distancio-me daqueles que pensam que a sociedade está mal porque até crianças pensam desta e daquela forma. Quanto a mim, a sociedade está num bom caminho. Perguntem-me porquê!!

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  21. É simplesmente uma redacção de terror...depois de maltratado é ainda convidado a igreja para pedir perdão. Habita na mente desta pequena menina muita violência. Estas ideias não vem do imaginário normal e fantasioso de uma uma criança, mas do meio onde a mesma habita...

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  22. É, sem dúvida, uma redação que permite interpretações diversas. Eu não tinha pensado, por exemplo, na possibilidade de a analisar pelo quadro traçado pelo Macia. Abraço a todos!

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  23. É de terror, sim sr. Mas a questão central não é essa.

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  24. Ó Ilídio, vc coloca duas questões interessantes: (1)a lógica do comportamento da criança; (2) a aparente impossibilidade de situar a predisposição para o comportamento punitório. Diga-me: coloquei mal as questões? E, já agora, sem querer intrometer-me no diálogo entre si e o anónimo, qual é, então a sua questão central? Abraço!

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  25. a) A sociedade está em degradação permanente;
    b) O Estado não consegue controlar o fenómeno criminal;
    c) A insegurança já é regra;
    d) A polícia inexiste, ou seja, é invisível;
    e)A violência nem sequer permite que as crianças se recordem das lições de moral transmitidas nas escolas e nas igrejas;
    f)Enfim, o que a criança escreveu, é um autêntico GRITO DE SOCORRO!

    ESTAS SÃO AS QUESTÕES CENTRAIS, na minha óptica, como é óbvio!

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  26. Está bem...Fixei especialmente a sua alínea e).Leia sff a curta morfologia dos bairros suburbanos da cidade da Beira que acabei de postar. É um modelo típico de habitat para linchamentos. Abraço!

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  27. Esta criança convida a sociedade a tomar o poder...Percebem isto? Em " o crime e castigo", de Dostoiévski, Raskolnikóv, o personagem principal, disse o seguinte e cito: "...convenci-me de que o poder não é concedido senão àquele que ousa inclinar-se para o tomar: é necessário ousar. Então ocorreu-me pela primeira vez na vida, algo que jamais alguém havia pensado. Desde o dia em que se me revelou essa verdade, clara como a luz do sol, quis ousar e matei..."(p.421).

    Quer dizer, a criança-centro do nosso debate, tenta, de alguma forma, aplicar, ainda que de forma inconsciente, este raciocínio do Raskolnikov. Sei que estou a arriscar demais...

    O romance de Dostoiévski ensina como os pensamentos mais íntimos nos levam ás vezes a ver o mesmo que os outros, mas a enxergar de forma diferente. Se calhar é o caso da criança-centro do nosso debate. Reparem, o facto de tal acontecer, não deve, e de modo algum, deixar as pessoas alarmadas, deve, isso sim, colocar as pessoas a reflectir acerca do nosso quotidiano.

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  28. Há várias, melhor, há muitas outras crianças nos nosso registo documental (UDS) que, sem o detalhe punitório desta, têm a mesma predisposição.

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  29. Prof!

    Acho que seria importante mostrar tambem as redacoes que sugerem medidas a' luz dos principios consagrados na carta dos direitos humanos. Como bem disse, como base nessas redacoes pouco poder-se-a comentar na medida em nao temos em mao os dados estatiscos globais. Sugeria que nao fizessemos generalizacoes porque esses dados podem ser isolados ou influenciados por criancas que vivem o trauma dos linchamentos por perto...Mocambique tem muito mais crianca! Todavia, e' mesmo triste ver uma crianca a pensar assim, algo seguramente nao anda bem!

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  30. Concordo com o último anónimo. Quem vos lê e não conheça Moçambique convence-se, sem dúvida, de que este país atingiu os limites do permissível em violência. Repito uma coisa que disse antes: Este país não é mais violento do que qualquer outro que eu conheça (estudei fora e visitei alguns países). Nem as nossas crianças são doentiamente sádicas.

    Obed L. Khan

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  31. Caro amigo Macia, ninguém nega a punição dos criminosos, mas numa sociedade que se diz civilizada não pudemos aceitar este tipo de punição proposta pela "criança-centro" do presente debate.
    Não esqueço-me que o nosso sistema penitenciário (e não só) está falido. Todos nós sabemos que uma lei a mais ou a menos não vai mudar nada.
    É preciso mudar a cultura em relação à criminalidade. Devemos entender que o infractor é uma pessoa com outras perturbações, que as concepções políticas, religiosas e sociológicas não abarcam.
    Para distúrbios de conduta, temos sempre que dar uma chance de tratamento e intervenção, o que não significa impunidade.
    Caro amigo I. Macia, não encontro nas palavras desta pequena criança nenhuma inteligência e não precisava de ter noções de direitos humanos para saber que a conduta proposta por ela perante o criminoso (ou a criminalidade) é errada. Veja que no fim até diz que também os que maltrataram vão ajoelhar-se diante do pastor para pedirem perdão...quer dizer reconhece que a "justiça pelas próprias mãos" não é o melhor caminho.
    Um grande abraço a todos

    Jojó Lemos (ex. anónimo)

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  32. a crianca e' de todo inteligente! e se calhar deixar um 'take home message' para os adultos....

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  33. Naturalmente que há crianças que têm outro tipo de discurso, do género "não devemos bater nem matar, devemos levar à polícia". Em tempo devido falaremos de todos esses casos.

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  34. Caro Lemos, estou a gostar do debate. É muito fino e didáctico. Deixe-me só citar o último periodo do seu comentário: " Veja que no fim até diz que também os que maltrataram vão ajoelhar-se diante do pastor para pedirem perdão...quer dizer reconhece que a "justiça pelas próprias mãos" não é o melhor caminho." Ora, meu caro Lemos, se afirmas que a criança "reconhece que a justiça pelas próprias mãos não é melhor caminho", então creio que está aí mais um sinal de inteligência desta criança-centro do nosso debate.

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  35. Parece (os dados ainda estão a ser tratados) haver uma característica central nas redacções das crianças de Maputo e Beira: a exigência de punição, frequentemente a punição antes de o ladrão ser entregue à polícia.

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