Outros elos pessoais

21 setembro 2007

Doenças mentais em Moçambique são mais frequentes nas áreas rurais

Um estudo revelou que os atrasos mentais, as psicoses e as desordens geradoras de ataques (epilépticos, por exemplo) são mais frequentes nas áreas rurais do que nas urbanas. Quando interrogados sobre as causas das psicoses, inquiridos disseram que eram devidas a causas sobrenaturais. Confira aqui.
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Saraiva de Sousa: creio que esta é uma área do seu foro. Quer avaliar o trabalho e os resultados? Ignoro quais os critérios que presidiram à selecção da amostra, mas creio que falta um termo intermédio, algo como a Beira.

12 comentários:

  1. Vou estudar o relatório. Curioso serem as áreas rurais que acusam mais perturbações mentais do que as urbanas e devido a causas sobrenaturais (perspectiva emic). A etnopsiquiatria deve ter resposta pronta, do estilo etnopsicoses, mas insuficiente.
    Vou ler com mais atenção e depois digo algo mais substantivo. Não aprecio muito as classificações do DSM-IV, sobretudo quando estão relacionadas com critérios etnoculturais. Mas os resultados não são muito congruentes com os dos paises europeus, pelo menos assim parece. Os casos de retardamento mental são diferentes e podem ter outra origem mais biológica. Os ataques de epilepsia estão um pouco associados a determinadas práticas religiosas. Até faz sentido...

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  2. Está bem, mas acrescentei há momentos algo. Leia, por favor.

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  3. O estudo deve ter sido publicado em alguma revista. O texto a que tive acesso por seu intermédio é omisso em relação à amostragem, à metodologia usada e escasso a expor os resultados e critérios utilizados. Três áreas investigadas: Maputo (cidade: população urbana) e outro lugar (população rural). Beira é cidade! Pelas conclusões, não atribuo grande relevância ao estudo: investimentos nos serviços de saúde e na área da psiquiatria. O recurso «nativo» a «curandeiros» (uso estes termos no sentido antropológico) é perfeitamente compreensível e acontece por todos os lados. Mas as perturbações mentais referidas deviam ter sido analisadas e atribuídas com mais cuidado e não mediante uma técnica muito ligeira. A necessidade de maior qualidade dos serviços de saúde, sobretudo no meio rural, é uma conclusão demasiado evidente, mas ainda assim insuficiente.

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  4. Concordo com a sua prudência. Os resultados não devem ser generalizados. Quero crer que a amostragem não foi probabilística e eventualmente foi construída com alguma ligeira concepção de quotas em amostragem não-probabilística.

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  5. A minha sobrinha, com quem estou a teclar, é bioquímica (está em New York) e também está interessada em conhecer seu blogue. Dei-lhe o endereço. Tal como o tio, também desconfia desses estudos ligeiros.

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  6. Tem toda a razão: a amostra não parece ser probabilística e os resultados não podem ser generalizados, se esse for o caso. E, segundo parece, não procuraram estabelecer qualquer associação entre doenças mentais e recurso aos «curandeiros» ou crenças sobrenaturais: apenas dizem que são mais frequentes no meio rural do que no meio urbano, usando estes termos num sentido muito «europeu» (suponho).
    Contudo, no campo das ciências biomédicas, excluindo os estudos epidemiológicos (o caso deste estudo em questão), as amostras nem sempre são probabilísticas e os resultados são, apesar disso, «seguros» ou confiáveis.

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  7. Embora não retire quase nada do que disse anteriormente, em termos de avaliação teórica, devo desculpar-me de só ter reparado agora que o trabalho foi publicado por uma revista médica de prestígio: The Lancet. A amostra abrange 2 739 households: 943 em Cuamba (rural town) e 1 796 em Maputo (city). Foi realizada uma entrevista..., na qual «se perguntava». É simplesmente um estudo que vale o que vale, mas merece atenção e reflexão.

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  8. Professor,
     Se o universo da amostragem foi: Cuamba (cidade rural, 943) e Maputo cidade (1.796) é falso concluir-se que “Doenças mentais em Moçambique são mais frequentes nas áreas rurais”
     Efectivamente, Cuamba no seu todo é praticamente um subúrbio,um pólo de atracção de populações das zonas rurais, sobrevivendo em bolsas de miséria, sem emprego, com mais de 25% da população infectada com HIV. NÃO É, DE MODO ALGUM REPRESENTATIVA DO NOSSO MEIO RURAL!
     Por outro lado, 943 observações num universo de 80.000 (população de Cuamba?) correspondem a 0,02%; enquanto Maputo cidade, 1.796 num Universo de 1.500.000 habitante, representa 0,001%. Não se estarão a misturar alhos com bugalhos?
    Florêncio

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  9. A sua observação é completamente pertinente. Completamente! E supreende-me a amostra usada pois o médico Patel é experiente e competente.

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  10.  Há estudos sobre a grande incidência de BÓCIO no Niassa, que:
    (i) atribuem o facto ao baixo consumo de sal iodado, agravado pela interioridade, longe do mar;
    (ii) associam ainda a propensão para certas formas de DEMÊNCIA ao baixo consumo de IODO. Pode, em parte, ser o caso de Cuamba.
     O facto de grande parte da população atribuir a doença a razões sobrenaturais, vem de encontro à teoria da “Espiral de Desenvolvimento” - que vê o desenvolvimento humano como algo que progride através de estádios - que Ken Wilber designa por “memes”. A maior parte de nós (população) está nos níveis, (i) sentido de sobrevivência; (ii) espírito de parentesco; (iii) deuses no poder (Animismo). Como foi postado em tempos pelo Professor, estão registadas no país cerca de 700 instituições de carácter religioso: andamos todos à procura de justificações e soluções no Além.
     No nosso meio rural – e em grande percentagem do meio urbano também – (pois a questão não está “nos tipos de pessoas, mas nos tipos que existem nas pessoas”) qualquer desgraça é atribuída à INVEJA, a alguém que nos quer mal; logo, o tratamento - ou por vezes a simples “blindagem/ vacinação" - passa por acções que conduzam a fortes danos no inimigo: físicos e/ou psicológicos, com um apoiozinho do sempre presente sobrenatural.
     Há relativamente pouco tempo, no interior do país, perante a coexistência de tanto potencial de produção agrícola e pecuária e tanta carência de coisas básicas, perguntei a alguns camponeses porque razão não aumentavam as áreas de cultivo, plantavam mais fruteiras, ou criavam mais animais domésticos. Responderam-me: só resultaria se conseguíssemos que todos tivessem o mesmo; de contrário, os vizinhos ficariam com INVEJA de quem trabalhou e teve sucesso, e encomendariam um feitiço para prejudicar seus familiares. Isto não é ficção: é o dia a dia de hoje, no país real.
    Florêncio
    PS  Sobre estudos: Moçambique é um viveiro de temas para investigação nas mais diferentes áreas. Naturalmente que há estudos sérios sobre a nossa realidade económica política e social. Mas há outros que, levianamente, se resumem ao tratamento quantitativo de um punhado de dados estatísticos - para justificar trabalho ou aumentar curriculum.

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