Outros elos pessoais

04 dezembro 2006

O poema ao mainato

Num dos portais que visitei hoje, alguém que aqui viveu há muitos anos dedicou em 2004 um poema sofrido a um mainato que encantou a sua infância na Beira. Eis, apenas, a primeira e última frases do poema:

Meu mainato era tão negro, negro como a noite escura
Mainato tu eras negro, mas tinhas muito valor.

Talvez um dia eu tente a sociologia desse tipo de recordações.

3 comentários:

  1. Também já registei alguns comentários deste género, alguns bem mais tenebrosos: “Coitado do Mário [nome fictício] que teve que fazer a tropa com os pretos”. Escusado será dizer que o interlocutor pretendia dizer que, dadas as reduzidas habilitações académicas do Mário, ele teve que cumprir o serviço militar como soldado raso. Mas no seu comentário perpassa a ideia de que no fundo da hierarquia social, no seio dos “sem estatuto” estavam os africanos, criaturas repletas de estigma e causadoras de repulsa. O problema não seria o posicionamento nos estratos mais baixos da hierarquia social, mas antes o estar ao mesmo nível das populações africanas vulgo “pretos”). Penso no impacto desta situação social para a auto-estima do tal Mário e para as suas estratégias de relacionamento e convivência social.
    Um outro exemplo: “Ela gostava tanto daquela terra que até falava a língua dos pretos”. Neste “até falava a língua dos pretos” é evidente não só um medo / desconsideração pelo desconhecido como, inclusive, uma certa desumanização do Outro. A generalização e redução (e coisificação) de todos os idiomas africanos a uma “língua dos pretos”, que nem tem nome próprio, primitiva, composta por vocábulos incompreensíveis para o Eu, falada por sujeitos sem estatuto é sintomático das representações sociais de muitos acerca das populações africanas.
    O mais curioso é que estes comentários coexistem com outros, lusotropicalistas, onde se afirma categoricamente o humanismo da colonização portuguesa (compara-se frequentemente com o apartheid). São frequentes comentários que salientam a amizade, a docilidade e uma lealdade africana para com o português (ex.: “Quando se despediu de mim até chorou. Coitados, eles eram muito sensíveis”).
    Em todos estes comentários ignoram-se estratégias sociais de interesse e de sobrevivência material, bem como as condições e estruturas que reproduziam as desigualdades sociais. Enfim… um campo de estudo que importa analisar se tivermos em atenção o envelhecimento destas testemunhas, diria um sociólogo.
    Um abraço, João

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  2. Sem dúvida, João, um belo campo de estudo. Mas considerando tb as percepções do lado oposto.

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  3. Claro! Sem dúvida. Cairá por terra o mito lusotropicalista. Um abraço

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