Outros elos pessoais

24 novembro 2006

Sociologia da dominação (2)


"Quando falares fala falando sem falares para que te percebam. Quanto à consciência do teu falar, isso fica comigo" (salmo 11 do Livro da Maka Política, 3216 da nossa era)

Quando me dizem pára, eu páro. Quando me dizem senta-te, eu sento-me. Quando me dizem cala-te, eu calo-me. Quando me dizem escreve o que eu te digo, eu escrevo. Quando me dizem que eles são exteriores à nossa etnia, eu aceito. Quando me dizem que as crianças morreram devido a um acto de feitiçaria, eu sei que isso é verdade. Quando me dizem que os albinos são filhos dos feiticeiros, eu estou de acordo. Quando me dizem que o nosso partido é o melhor, eu sei. Quando me dizem que a nossa religião interdita a carne de coelho, eu não a como. Quando me dizem que as mulheres devem restringir-se ao mundo fechado da cozinha, eu nem discuto. Quando me dizem mata, eu mato.
E por aí fora, nesse conjunto de exemplos prepositadamente extremos.
Cada acto de genuflexão do nosso eu, da nossa vontade, cada peça da nossa crença, tem uma palavra como êmbolo. E isso é tão intenso, tão absoluto, que as palavras parecem ganhar uma autonomia indiscutível, como se elas fossem dominação e servidão em estado bruto.
O percurso da nossa vida é feito de duas coisas simples: normalização e anormalização.
Primeiro ensinam-nos a obedecer, depois nós reproduzimos, ampliamos, obedecemos e dominamos. Recebemos e interiorizamos a obediência. Mas a obediência pode um dia transformar-se em dominação e vice-versa. As palavras reflectem plasticamente esse polimorfismo, essa curiosa ubiquidade.
O processo de normalização consiste em definir o que é normal e o que é anormal, o que é aceitável e o que é inaceitável, o que devemos tolerar e o que não devemos tolerar.
Tudo se resume a um exercício de vida absolutamente primário: incluimos e excluimos. Incluimos para excluirmos e excluimos para incluirmos. Uma mesma coisa nas duas coisas de um pêndulo.
Cada palavra é, frequentemente, uma ordem de comando. Mesmo a mais gentil, mesmo a mais neutra.
Estamos, vários de nós, conscientes disso, desse aguilhão. Mas provavelmente não estamos, regra geral, conscientes disso.
O mais doce eufemismo pode ser uma AK-47 simbólica.
Todo o exercício de dominação é feito de um conjunto de palavras que definem no outro o perímetro das possibilidades a um tempo autorizadas e vedadas.
Nem todos têm acesso ao uso da palavra oficial, da palavra autorizada. Este tipo de palavra apenas pode ser enunciada por quem domina.
Mas o que é dominação?

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