Outros elos pessoais

16 novembro 2006

Descrever os Outros

Quando estudamos os Outros, estamos regra geral convencidos de que apenas temos de estudar esses Outros.
O problema é, porém, bem mais complicado. Na verdade, a operação é dupla: temos começar por nos estudar a nós-próprios (o que os cientistas sociais nem sempre aceitam) e só depois podemos tentar estudar os Outros.
Mas as coisas são ainda bem mais complicadas do que essa dupla operação deixa antever.
Ao estudarmos os Outros, corremos invarivelmente o risco de os dissolvermos no que somos, de os canibalizarmos por inteiro. Aqui reside o eterno problema de como compreender os Outros não sendo nós esses Outros.
Julgo que quando descrevemos os Outros somos atirados para o vórtice de os moldamos num conjunto comportamental e reactivo que é, afinal, o nosso, o dos investigadores.
Mas não só: se descrever o Outro já é um problema, problema maior é e será sempre descrever os Outros.
Resta a pergunta fatal: então não é possível descrever os Outros?
A resposta é, para mim, a seguinte: é, desde que tenhamos consciência do que acima fica escrito e desde que assumamos que (1) a descrição é sempre processual e interminável e (2) que dependemos completamente da avaliação de nós feita pelos Outros, avaliação que, ela também, é afectada pelos mesmos problemas acima propostos.
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Eu teria muito prazer em conhecer a vossa opinião, opinião de eventuais leitores.

4 comentários:

  1. Na ansia de tornar o nosso texto analitico mais cientifico, convencemo-mos que estamos a estudar o Outro. Ou dedicamo-nos mesmo a estudar o Outro, porque estudar outro que nao o Outro, dizem, pode perigar a nossa objectividade. Mas que problemas teremos quando nos estudamos a Nos? Temos que Nos conriderar como o Outro para melhor Nos entendermos? Seremos realmente menos capazes de manter objectividade? A mesma objectividade subjectiva que nos leva a julgar o Outro atravez da lente da nossa perspectiva pessoal?!

    Realmente so se nos conhecermos bem (ou se nao tivermos medo de nos descobrirmos) poderemos fazer qualquer estudo isento (ainda que nao mais ou menos objectivo) de quem quer que seja. Porque o essencial e ter nocao que algo de nos estara sempre na escolha do tem, na analise, e certamente nas conclusoes.

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  2. Conhecer os Outros pressupõe, de facto, o conhecimento do próprio sujeito cognoscente, dos seus elementos fantasiosos e emotivos, dos seus valores, do seu percurso de vida, de todo um conjunto de aspectos que influenciam a forma como se conhece. A auto-reflexão deverá, assim, ser anterior à percepção. A existir, essa psicanálise do conhecimento científico constitui como que uma primeira pedagogia científica. Colocar-me no lugar do Outro e ver-me aos seus olhos – talvez mesmo conseguir ser Outro, não deixando de ser Eu próprio (*) – pode constituir um profícuo mecanismo de auto-conhecimento.
    Trata-se daquilo que tem sido definido por identidades híbridas, de conseguir percepcionar o problema por vários ângulos (**), e por isso alargar a compreensão dos mecanismos e estruturas sociais que condicionam representações, atitudes, predisposições, enfim, o habitus.

    (*) Uma questão que se torna assustadora para muitos prende-se com a crise identitária desse processo. Pessoalmente agrada-me esse desassossego. Acho-o inclusive enriquecedor. Como escrevia Fernando Pessoa “Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou invariavelmente Outro”.
    (**) a este propósito há uma definição de cultura de Trompenaars bastante interessante: “Culture is like gravity. You do not experience it until you jump six feet in the air. The essence of culture is not what is visible at the surface”.

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  3. E, assim, nos vamos colocando o "natural" problema de sempre: saber de que forma podemos ser outros sem deixarmos de ser nós. A estatística é um exemplo modelar dessa ânsia d extroverão: reenviar para os números e para as médias, assumidos como entidades neutras, o sossego das nossas consciências, inquietas umas, nunca inquietas outras. Abraço!

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