Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
Outros elos pessoais
▼
▼
16 agosto 2006
O pensamento de Humberto Maturana
Foi há quase seis anos que Humberto Maturana deu uma entrevista a TerraAmérica – Médio Ambiente y Desarrollo. Mas continua vivo o corpo de ideias do cientista. Leiam o que se segue:
_____________________________________________________________
Entrevista com o cientista chileno Humberto Maturana
"Um problema de desejo"
Por Omar Sarrás Jadue*
"A conservação não é pela Terra, é por nós. A biodiversidade é importante para nosso bem-estar fisiológico, psíquico, estético, relativo; é um problema de desejo, de bem-estar", diz Humberto Maturana, pioneiro da "biologia do conhecimento".
Santiago do Chile - Para o cientista chileno Humberto Maturana, de 72 anos, os seres vivos são máquinas que se distinguem de outras por sua capacidade de se "auto-reproduzir". Esta teoria - que ele chamou de "autopoiese" - cativou muitos filósofos, psicólogos e ambientalistas no mundo, interessados em explorar a essência da vida a partir da "biologia do conhecimento". Doutor em biologia pela Universidade de Harvard, Prêmio Nacional de Ciências em 1974 e premiado nos Estados Unidos e na Europa, Maturana explora o íntimo do ser humano através da análise das emoções, do amor, da amizade, do poder, da educação e da importância da linguagem. Autor de "De Máquinas e Seres Vivos" e "A Árvore do Conhecimento. As Bases Biológicas do Conhecer Humano", Maturana continua fascinado com os mistérios da vida, que tenta decifrar a cada dia em seu escritório no laboratório de Biologia da Universidade do Chile, em Santiago, onde conversou com exclusividade com o Terramérica.
P: você concebe os seres vivos como unidades fechadas que se auto-reproduzem. Como vê isso?R: O vivo tem a ver primeiramente com a conservação, não com a mudança. Os seres vivos são sistemas moleculares, redes de elaboração e transformação de moléculas. A organização, os processos, não mudam; o que muda são as moléculas particulares, os componentes que entram no processo. A isto que se modifica, chamo de estrutura. Por exemplo, alguém fica doente e enfraquece, perde moléculas; depois, melhora, recupera seu peso, sua musculatura. Aí ocorreu uma série de mudanças estruturais, mas conservou-se a organização, o viver. Os seres vivos são máquinas que se definem por sua organização, por seus processos de conservação e que se diferem das outras máquinas por sua capacidade de se auto-reproduzir.
P: Descartes disse algo parecido: que os seres vivos eram o mesmo que os autômatos, eram bonecos sem emoções. Segundo sua compreensão mecanicista da vida, os seres vivos têm emoções?
R: Naturalmente, todos os animais têm emoções.
P: Como se explicariam essas emoções que talvez os tornassem diferentes de uma máquina?
R: Vou falar de uma máquina que tem emoções: o automóvel.
P: O automóvel tem emoções?
R: Claro. Você engata a primeira e tem um carro potente, e diz: "que potente é este carro em primeira! é agressivo, porque apenas encosta no acelerador.. ruuuuummm... parte!"
P: Mas, isso não é metafórico?
R: De certa maneira, porém, mais do que metafórico é isofórico, isto é, que faz referência a uma coisa da mesma classe. Engate a quinta e siga a uma velocidade alta, o carro está tranqüilo, fluido e sereno. O que acontece então? Cada vez que muda a marcha, muda a configuração interna do automóvel e esse carro faz coisas distintas. As emoções correspondem precisamente a isso; do ponto de vista biológico são mudanças internas de configuração que transformam a reatividade do ser vivo, de modo que esse ser vivo no espaço relativo é diferente.
P: O que seria específico de uma emoção humana?
R: O ser humano pode lançar um olhar sobre sua emoção, pode refletir porque tem a linguagem. Mas, o animal, que Descartes trata tão negativamente como autômato, não tem como dar essa olhada reflexiva.
P: Então, a emoção do animal é como a do automóvel?
R: É como sua emoção quando não se dá conta dela. Por exemplo, se tem um filho, que se encontra triste, mas não sabe exatamente o que lhe acontece, e você diz: "estás triste, é isso o que acontece contigo". Nessa conversação a criança começa a tratar o que se passa com ele como tristeza, e aí aparece o olhar reflexivo. Um cãozinho que está triste não tem como dar essa olhada reflexiva; comporta-se de maneira triste, mas não tem como dizer-lhe "estou triste", como diz seu filho.
P: Uma concepção mecanicista como a sua parece transformar em fumaça a oposição entre natureza e cultura. Fazendo esta distinção, como é a relação do homem da cidade atual com a natureza?
R: A natureza para o ser humano da cidade atual é o artifício cultural onde vive, esse é seu mundo natural. Para uma criança que cresce na cidade - com automóveis, aviões, rádios - esse é seu mundo natural. Do mesmo modo que para a criança que nasce na África, com leões, rinocerontes, pássaros, esse é seu mundo natural. Esta cidade artificial também é parte da natureza.
P: Há alguma diferença?
R: Não há diferença para a criança que cresce na cidade, porque ela vai distinguir as diferentes marcas de carro como a criança do campo distingue os diversos tipos de pássaros.
P: Esta distância com o resto das espécies tem alguma conseqüência na forma como o homem percebe e se relaciona com esse mundo?
R: Certamente. O resultado é que o que não se vê, não se vê. Se a criança vive toda sua vida até a fase adulta na cidade, o mundo que está fora dela não fará parte de seu universo, de seu nicho ecológico. O espaço ocupado por um ser vivo no meio é seu nicho, ali entra tudo o que o afeta e nenhum ser vivo vê além de seu nicho.
P: Você disse que nossas decisões sobre o meio ambiente podem causar ou a recuperação do espaço da biosfera ou a transformação do planeta em uma lua habitada por seres humanos que vivem em cápsulas, produzem quimicamente seus alimentos e onde não há lugar para outras formas de vida. No entanto, isso, necessariamente, não ocorrerá.
R: Não, não necessariamente. Quanto mais rápido se incrementar a consciência ecológica mais potente ela será e, assim, nos levará a tomar medidas drásticas, que supõem dificuldades para muitos, mas que conservarão o espaço onde os seres humanos possam viver. Do contrário, ou nos extinguimos ou nos transformamos estritamente em seres que vivem num mundo artificial, que serão, então, o mundo natural. O que queremos? Porque a conservação é uma questão de desejo, de estética, de estar bem; este não é, em princípio, um tema de argumentação racional.
P: Estudando a vida, você encontrou uma ordem no mundo? Existe uma racionalidade que lhe seja inerente?
R: Não há uma racionalidade no mundo, não há finalidade nele. Apenas existe um conjunto de interações. O mundo segue à deriva. À Terra não importa em nada que a vida se extinga, não seria o primeiro planeta a morrer. Insisto: a conservação não é pela Terra, não é pela biosfera, é por nós. A biodiversidade é importante para nosso bem-estar fisiológico, psíquico, estático. O grande dom dos seres humanos é que podemos criar tecnologia, mas, também, podemos detê-la, nos livrar das máquinas quando deixam de adequar-se ao que queremos; é uma questão de desejo.
* O autor é master em literatura e colaborador do Terramérica.
Copyright © 2000 Tierramérica. Todos los Derechos Reservados
________________________
http://www.tierramerica.net/2000/1119/ppreguntas.html
Sem comentários:
Enviar um comentário
Seja bem-vinda (o) ao blogue "Diário de um sociólogo"! Por favor, sugira outras maneiras de analisar os fenómenos, corrija, dê pistas, indique portais, fontes, autores, etc. Não ofenda, não insulte, não ameace, não seja obsceno, não seja grosseiro, não seja arrogante, abdique dos ataques pessoais, de atentados ao bom nome, do diz-que-diz, de acusações não provadas e de generalizações abusivas, evite a propaganda, a frivolidade e a linguagem panfletária, não se desdobre em pseudónimos, no anonimato protector e provocador, não se apoie nos "perfis indisponíveis", nas perguntas mal-intencionadas, procure absolutamente identificar-se. Recuse o "ouvi dizer que..." ou "consta-me que..."Não serão tolerados comentários do tipo "A roubou o município", "B é corrupto", "O partido A está cheio de malandros", "Esta gente só sabe roubar". Serão rejeitados comentários e textos racistas, sexistas, xenófobos, etnicistas, homófobos e de intolerância religiosa. Será absolutamente recusado todo o tipo de apelos à violência. Quem quiser respostas a comentários ou quem quiser um esclarecimento, deve identificar-se plenamente, caso contrário não responderei nem esclarecerei. Fixe as regras do jogo: se você é livre de escrever o que quiser e quando quiser, eu sou livre de recusar a publicação; e se o comentário for publicado, não significa que estou de acordo com ele. Se estiver insatisfeito, boa ideia é você criar o seu blogue. Democraticamente: muito obrigado pela compreensão.