(Tenho uma noção de sociologia muito peculiar, a saber: ela é tudo o que quisermos desde que saibamos desnudar, descodificar, problematizar, ir para além das fronteiras do já visto, transgredir as ideias frigorificadas. O poema de Reinaldo Ferreira, que aqui viveu, é, para mim, um momento capital de sociologia)
A que morreu às portas de Madrid
Com uma praga na boca
E a espingarda na mão,
Teve a sorte que quis,
Teve o fim que escolheu.
Nunca, passiva e aterrada, ela rezou.
E antes de flor, foi, como tantas outras, pomo.
Ninguém a virgindade lhe roubou
Depois dum saque - antes a deu
A quem lha desejou,
Na lama dum reduto,
Sem náusea mas sem cio,
Sob a manta comum,
A pretexto do frio.
Não quis na retaguarda aligeirar,
Entre "champagne", aos generais senis,
As horas de lazer.Não quis, activa e boa, tricotar
Agasalhos pueris,
No sossego dum lar.
Não sonhou minorar,
Num heroísmo branco,
De bicho de hospital,
A aflição dos aflitos.
Uma noite, às portas de Madrid,
Com uma praga na boca
E a espingarda na mão,
à hora tal, atacou e morreu.
Teve a sorte que quis.Teve o fim que escolheu.
(Reinaldo Ferreira)
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