Existe um universal humano: a constatação da e a reacção face à alteridade. Qualquer modesta investigação o mostra. O que é diferente chama-nos a atenção, põe em movimento os nossos esquemas perceptivo-motores, a nossa linguagem, os nossos símbolos, os nossos valores. Mas a percepção da diferença só é posta em acto quando confrontada, naturalmente, com a identidade. Portanto, ela não existe em si, como uma essência sempre disponível: ela é para si, para usar a linguagem hegeliana. Porém, isso não basta. É preciso que as diferenças sejam sentidas como divergências importantes. É preciso, sobretudo, que certas condições estejam reunidas para que da alteridade como constatação se passe à etnicidade como fenómeno sociológico: a disputa, o perigo, a escassez ou a desigualdade de distribuição de recursos vitais, etc. E, mesmo assim, muitas vezes a transição nem sempre ocorre, ficando a etnicidade como uma expectativa, como uma possibilidade. Não basta, portanto, que X fale uma língua diferente ou seja de uma outra equipa ou seja do patronato ou tenha um mutupo diferente. É preciso que cada uma dessas manifestações de diferença seja subjectiva e agudamente sentida como divergente, como, enfim, insanável.
Como camponês distingo o citadino; como estudante, o professor; como operário, o patrão e o chefe da contabilidade; como público, o funcionário que atende; como Costa do Sol, o Maxaquene; como falante de Echuabo, o falante de outras línguas; como membro do partido X, os membros de outros partidos; como mulher, o homem; como filho, o pai; como membro da linhagem Ligonha, outras linhagens; como Moçambicano, um Japonês ou um Zairota. É sobretudo como fenómeno colectivo que a transição da alteridade para a etnicidade ganha sentido. E como luta permanente.
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