06 março 2007

Carta ao Presidente do Conselho Municipal da cidade de Maputo, Dr. Eneas Comiche


Senhor Presidente
Permita-me que, na minha modesta condição de sociólogo, lhe diga o que o Presidente sabe melhor do que eu: que a Avenida Marginal da nossa bela cidade de Maputo está gravemente doente.
Não tenho competência seja para encontrar as causas da doença, seja para sugerir as formas de cura.
Mas, Presidente, dado que você é um homem probo e esta cidade, nascida um dia como feitoria no século XVIII, é uma das mais belas cidades africanas e dado que cada um de nós a ama, vou permitir-me dar-lhe conta de alguns fenómenos que, por hipótese, terão contribuído e continuam a contribuir para o que se está a passar. Para os entender e enumerar de forma consistente, pedi ajuda a um arquitecto. Ei-los, para sua consideração e consideração do seu colectivo, acompanhados, no fim, de algumas fotografias tiradas por uma Professora amiga:
1º Há uns anos atrás, antes de existir a barragem dos Pequenos Libombos, a draga da capitania dragava todas as semanas o canal do porto de Maputo. A barragem terá sido construída sem eventual análise do impacto no ambiente. Desde a sua construção que não há dragagem, logo não há reposição das areias de aluvião do rio na baía. Devido às correntes, o mar retira areias quer da baía quer das margens que são a marginal. Presidente, a luta contra a natureza é frequentemente inglória.
2º Atrás da marginal existia um pântano de mangal costeiro onde, na maré cheia, o mar se espraiava. Esse mangal/pântano foi ocupado, roubado ao mar, o peso dos edifícios impede o lençol freático de trabalhar segundo as suas próprias regras. Deixa de haver ponto de quebra da força do mar e incapacidade de infiltração da água na duna costeira.
3º A duna costeira - formada por um ecossistema equilibrado de areias, plantas que a suportavam e árvores - rapidamente foi destruída pela intervenção humana.
4º O aquecimento global de que tanto se fala fez aumentar, na última década, alguns centímetros ao nível do mar. Centímetros cruciais, Presidente Comiche.
E agora temos um mar mais forte, mais agressivo e uma costa mais permeável, cada vez menos protegida.
Qual a solução, Dr. Comiche?
A solução leva a custos enormes que obrigam a importantes cirurgias na marginal. Obras de grande engenharia para conter a fúria da natureza. O prolongamento do paredão que se inicia na capitania do porto e passa pelo Clube Naval será o futuro a médio prazo. Perder a praia será o futuro a longo prazo, eventualmente ja visível no horizonte. Parece não haver retorno para o que está a acontecer. Estamos, por hipótese, perante erros acumulados. O homem põe e a natureza dispõe.
Mas seja qual for a solução, ela tem de surgir.

Os meus fraternos cumprimentos, Dr. Comiche.
A luta continua.
Carlos Serra



7 comentários:

Carlos Serra disse...

Liguei há momentos para uma vereador do Município e alertei-o para o que se passa no tocante aos buracos. Eu mesmo por lá passei, de propósito, vindo da Reitoria.

Carlos Serra disse...

O Gabriel tem profundamente razão. teremos um dia de avaliar as consequências, nos últimos 15 anos, de depredação da cintura verde de Maputo, da construção desregrada de habitações, dos sistema de drenagem, etc.

Carlos Serra disse...

As suas entradas não maçam nunca, Fátima.

Carlos Serra disse...

Pronto, Fátima, já corrigi o "concelho". Como pode ver, agora está "conselho". Obrigado!

chapa100 disse...

professor! gregor mendel (1823-1884) foi dos primeiros cientistas a explicar as diferencas geneticas e suas semelhancas. gracas a ele hoje sabemos que 99,9% dos seres humanos no mundo sao seres geneticamente semelhantes.porque isto e importante saber? porque as pessoas em varias cidades e culturas tem uma percepcao diferente de gestao ambiental? porque aceitamos que somos iguais na genetica e diferentes na maneira de distribuir direitos e riqueza entre habitantes do mesmo espaco? porque pessoas da mesma sociedade (geneticamente semelhantes) procuram diferentes maneiras para justicar a ma gestao de um bem comum? se geneticamente pensamos que eles tem a mesma necessidade genetica?

sao perguntas que sociologos, economistas, historiadores e antropologistas tem ajudado a responder. as mesmas perguntas podem ser colocadas na maneira como nos em maputo, mocambique, queremos gerir o espaco onde vivemos. mas as vezes, talvez, e mais comodo para nos seria partirmos do 0,1% para justificar esta desordem.

nao acredito que no caos haja ordem, mas no sistema formal acredito que haja outros sistemas informais, que sao parte da ordem e das relacoes humanas. agora em mocambique pegou a moda de justificar a nossa desordem numa teoria do caos.Ex: precisamos da corrupcao para ter uma burguesia, precisamos do dumba nengue para dar-mos comida ao pobre, etc.

em vez de entendermos os fenomenos que justificam esta desordem no crescimento desordenado de maputo, nao. afinal a teoria do caos, ja justifica.entao no caos criou-se a ordem de justificar a desordem das instituicoes, da politica, do sistema, da falta de exercicio para buscar respostas que possam substituir o caos pela ordem informal e porque nao formal.

sobre a ordem informal e relacoes informais ja escrevi sobre isso noutro blog.

entao porque temos instituicoes formais que nada beneficiam? direcao de urbanizacao, escola do planeamento fisico, direcoes de hidrografia, ministerios de ambiente, etc? a teoria do caos, ate aqui apresentada, tem uma logica que foge a instituicoes que representam o estado da ordem, do direito, da gestao sustentavel,etc. Nao?


na marginal, quando eu era ainda "puto" vi a lina magaia lutando, gritando sobre o que deve-se fazer para salvar a marginal e a praia da costa do sol, eu ate fui voluntario para algumas actividades. associacoes ate foram criadas para proteger o ambiente. mas os teoricos do caos, nao entender bem assim, afinal o caos para viver, precisa de vender terrenos, nao dragar, nao fazer plantios, nao ter policia para policiar, nao precisa da expertize dos planificadores fisicos, arquitectos, engenheiros, biologos, voluntarios.

algumas a ordem venceu, basta ver algumas zonas de zimpeto, maracuene, matola-gare, drive-in,boane, machava, onde tudo foi bem, com vias de acesso, sistemas de escoamento, gestao de residuos liquidos, plantio de arvores, etc.

Avid disse...

Hiii...essa carta bem que poderia ser enviada a outro presidente de um outro conselho municipal. Ai Ai...
Bjs meus

Carlos Serra disse...

Você coloca bem o problema das diferentes formas de gerir meios, Jorge. Diferentes percepções, diferentes gestões, diferentes hábitos incorporados.