04 fevereiro 2007

Regiões de alta saturação sexual e o controlo político da sexualidade (2)


Quando estudamos a dominação, é para mim menos importante a dominação em si (o "poder" de induzir a determinados comportamentos), do que a sua aceitação. A aceitação da dominação é um tema fascinante herdado da sociologia de Pierre Bourdieu. E poderá dar origem a pesquisas admiráveis.
A dominação masculina, para retomar o título de um dos seus livros mais controversos, tem muitas veredas. Longe mim tratar delas aqui e agora.
Aqui, o propósito é bem modesto. Pretendo apenas deixar hipóteses para analisar as decisões do ministro da Educação.
No caso concreto que está na origem desta postagem, temos a hipótese de agregar numa mesma família de entidades "perigosas", subvertoras, a exposição do corpo através das tchuna-babies.
Nesta segunda parte, vou deixar aqui mais algumas possibilidades de pesquisa, em breves notas.
A era colonial foi profundamente marcada pelo escamoteamento do corpo da mulher. Se analisarmos a documentação portuguesa a partir do princípio do século XX, veremos a preocupação colonial (completamente masculina) em vedar a nudez campesina. Por todo o lado se multiplicaram os interditos de exposição da nudez, muito especialmente da nudez feminina. Foi literalmente imposto, um bocado por todo o lado, o uso de determinados tipos de vestuário "decente" (termo que aparece em muitos relatórios). Os administradores e chefes de posto (que todos eram homens) desencadearam massivas campanhas de destruição das árvores das quais se extraía a entrecasca que permitia o fabrico de "tangas" (na Zambézia, isso feito em relação ao "muroto"). Por outro lado, nas cidades e ainda nos anos 60/70, mesmo nos prostíbulos urbanos (o caso da Rua Araújo, aqui em Maputo) a nudez era vigiada e proibida, ainda que as jeans e, especialmente, as então boca-de-sino, fossem toleradas.
Quando chegamos à independência, surgem as campanhas de purificação de valores e fazem-se rusgas para apanhar as prostitutas e encaminhá-las para campos de reeducação. As mini-saias foram severamente desaconselhadas, muitas vezes por decisão espontânea de pessoas que se auto-designaram curadoras da moral pública. E não menos vezes eram as mulheres mais velhas, especialmente aquelas ligadas à Organização da Mulher Moçambicana ou ao geral do partido Frelimo, que mais severas eram para com a exposição do corpo feminino.
Ao longo do período revolucionário, era muito difícil encontrar as nossas jovens vestidas com roupas que exaltassem o seu corpo e a sua sexualidade.
Os anos 90 são, creio, um marco importante para a subversão dos valores androcêntricos que exigiam e exigem a sobriedade e o resguardo.
Penso que se casam, então, nas cidades, o desejo feminino de libertação corporal e a exaltação neo-liberal do sexismo. A disseminação da televisão, o surgimento em massa do vídeo, tudo isso trás consigo a visão de espaços de comparação e de aparente emancipação, espaços que passam a fazer parte da vida e do imaginário das nossas mulheres urbanas. A tchuna-baby é, apenas, um dos produtos desse casamento ainda não estudado, se a minha hipótese puder ser tida em conta.
Ora, há alguns anos que se sucedem as vozes de pessoas clamando por um retorno à sobriedade, ao recato, que exigem um combate contra o que chamam costumes dissolutos. São homens e mulheres que se se queixam, entre outras coisas, de que a criminalidade sexual tem como uma das causas a nudez feminina. O seu ponto de comparação é o passado, que dizem ter sido bem melhor, um tempo - argumentam - no qual havia respeito. Em meio a esta angústia geracional, um dos alvos é a novela brasileira. E, finalmente, membros da organização da Mulher Moçambicana chegaram, já, a pedir ao presidente da República a elaboração de uma lei que reponha ordem no porte e no vestuário.
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Aqui fica a segunda parte. Verei, mais tarde, se prossigo.

9 comentários:

JCTivane disse...

Ao menos havia ordem.Agora nao ha.

Carlos Serra disse...

O Sr. Tivane acha mesmo que hoje não há ordem porque, por exemplo, as nossas jovens usam calças brasileiras?

Anónimo disse...

Pera lá!!! O que tem nossas calças jeans? Adoro usa-las, e nada vejo de indecente. São perfeitas!!! Nossas calças são tão bem trabalhadas, que podemos usa-las,dependendo do modelo e adereços, desde um simples passeio (esportivo), até em local de trabalho(prfissional), ou mesmo em eventos mais sofisticados (social).Desde que nasci, vejo jeans; Creio que minhas fraldas eram todas feitas de jeans.Não entendo porque tanta agitação por uma simples peça de roupa.Pareçe que estou vivendo uma outra vida, outra realidade.Se temos um corpo que a calça define sua beleza, porque não usa-la? Que lugar é este que voces moram? Aqui neste Brasil que tanto adoro, usamos calças jeans de cintura baixa sim, e dependendo da nossa postura em como usa-las nenhum homem vai nos atacar, ou mesmo ouvimos falar que estamos praticando um atentado contra a moral e bons costumes.Em meu Brasil professor, as mulheres usam pouquissímas roupas, (só mesmo em regiões mais frias que não as usam),e ficamos lindas.Nada nos acontece.Os sequestros, ou estupros, ocorrem devido outros fatores, como chantagem para obterem dinheiro da família da(o) sequestrado(a), maníacos a espreita de qq vítima.(esta senhora que foi violentada conf.noticiou abaixo), estava usando calça jeans BRASILEIRA? Investigue por favor; Se tua resposta for SIM, juro-te que me renderei; Engraçado...agora é o Brasil, o causador da desordem e da imoralidade que assola teu País?(que ao meu ver, nada tem de imoral). O senhor professor ainda pergunta para este ridículo TIVANE, que desde já me recuso em chama-lo de senhor,(pois senhor dizemos para quem respeitamos),(e não tenho nenhum respeito por este sujeito), o que ele acha? Coitadas das mulheres deste lugar.Querem transforma-las em robôzinhos, tudo "certinho"...andar em carreirinhas...roupinhas tudo igual.Nos tempos passados a vagabundagem(como diz o TIVANE) já estava presente...em TODAS AS CLASSES...mas era tudo feito às escondidas.Agora, neste hoje de meu deus...ESCANCAROU GERAL!!!...o que acho fantástico, sem hipocrisía, ou máscaras coloridas de inverdades. Não adianta repressão, o ser humano vive e respira sexo, trabalha e estuda, alimenta-se e dorme...normal, normal.Quanto as nossas novelas...pq não desligam os aparelhos de tv? ou melhor,pq não mudam de canal? sabe porque? Porque somos modelo de liberdade, alegria (apesar dos pesares), beleza, e muito, muito, muito charme tá? Este recado é para o TIVANE (antes mesmo dele responder), e para o senhor tambem grande mestre.As jovens do teu país só usam jeans brasileiro? Se a resposta for uma afirmsativa queira me desculpar, se for uma negativa retiro minhas desculpas.E fico por aqui, este assunto já deu muito "pano prás mangas".

Anónimo disse...

“O corpo é uma invençao antiga” (subsidios para hipóteses)

O homem é uma invençao recente – dois séculos apenas e ele vai desaparecer brevemente. Anunciou Foucault em 1996 – A morte do homem – tal como Nietzsche anunciou a morte de Deus. Tanto um como o outro dizem que o homem (Ou Deus) ja esta morto.
Posso eu anunciar a morte do corpo? Nao. Pois ainda nao adquiri o “capital simbolico”.

Ainda assim se eu ousasse anunciar a “morte do corpo” , esta seria um enigma sob tres angulos:
A morte do corpo seria o desaparecimento de uma forma de conhecimento que faria do corpo o alfa e o omega do saber. Mas o que nos seria dado a ler no centro do saber e da cultura, nao seria pois a forma do corpo, mas uma linguagem sem sujeito.
Segundo, a morte do corpo seria a denunciaçao do moralismo como abstracçao, como denunciaçao vaga, abstracta, facil, ou uma manifestaçao de poder, i.é a aplicaçao de uma força imaginaria sobre, uma vida, uma idade, um tempo humano, para regular os comportamentos. Tal como existem maquinas para produzir bens, existiriam tbem estratégias para produzir condutas.
Terceiro a morte do corpo para alem do desparecimento de uma forma seria, a construçao de um espaço vazio predisposto a uma leitura metamorfica do poder, a partir da representaçao do discurso de Estado.

Sendo assim, o corpo enquanto “invençao antiga”, “espaço do vazio” aparece -nos assim como uma arena onde tudo é possivel. Desta forma, poderiamos conceber o corpo como uma produçao social ou uma construçao social, onde o Estado através dos seus aparelhos socio- educatifos tenta dar forma à sua propria existencia.
Paula Lemos

Aut disse...

Gabi:
Um discurso tão efusivo em razão de uma falsa polêmica.
Tem mesmo certeza de que foi dito ou insinuado nalgum lugar aqui que a origem das calças é parte do problema discutido?

Anónimo disse...

Um belo trabalho. Lembra-se quando era professor na Escola Secundária de Lhanguene lá para 1976 e nos dizia sempre na aula "pensa, pensa!"? Ainda bem que continua a fazer-nos pensar. bem haja.

Anónimo disse...

Esfinge:...adoro teu pensar.
Aut:...Não, não acho, mas...partindo do comentário do senhor professor, perguntando ao TIVANE, sobre as calças brasileiras...LEIA meu comentário sobre este assunto.Não viu que pedi desculpas ao mesmo, se a resposta fosse uma afirmativa? Para melhor entender tudo que aqui está quando refere-se "falsa polêmica"...favor ler os post abaixo...e veja como tudo começou.Não vá tirando conclusões precipitadas tá?
Cogitando: Que compêndio heim?pôoxa!!! (rs)

Anónimo disse...

Na modéstia análise, o que preocupa as nulheres (mais velhas e/ou da OMM) não é a exposição do corpo, mas (subverção) os critérios de avaliação da beleza feminina que cai em seu desfavor. Hoje, mulher bonita é aquela que exibe o corpo, aquela que expõe os contornos mais excitantes do seu corpo. As OMMs temem perder os seus camaradas nesta viragem geracional. Estão contra os critérios estéticos e para tal, usam um falso argumento: A MORAL. A moral invocada é, para mim, o cavalo de batalha nesta falsa árdua polémica. As tchuna babies são um ingridiente que agrava a concorrência desleal entre OMMs e "pitinhas", com as últimas sempre em vantagem. Beúla

Carlos Serra disse...

Admirável hipótese a sua, Beúla!