21 fevereiro 2010

Televisão e poder simbólico (10)

Mais um pouco da série.
Não está aqui em causa o casamento em si de Lizha e Bang, o muito amor que, certamente, se votam reciprocamente.
O que está em causa é o espectáculo produzido pela STV, o jogo da vida transformado em catch, numa intensa ênfase dos sentidos e, especialmente, dos desejos, das aspirações, dos ideais de ascensão social e de riqueza. O casamento de Lizha e Bang, exponencialmente projectado para o grandioso mundo das vestes brancas, como que celestiais, foi e é um apelo à imagem da paixão (público não reclama a paixão, mas a sua imagem), do diferente, do fait divers total, da transgressão da rotina, do mundo tacanho da pobreza e dos chapas. Contra a complexidade da vida enquanto laço de Moebius, o casamento de Lizha e Bang ofereceu a simplicidade da vertigem do consumo diferente, a evacuação do igual, a exposição do fantástico encaixado num écran mágico. E é aqui que está o poder simbólico, fascinante e manipulatório na sua visibilidade invisivelmente agindo nas pessoas, pessoas que, certamente em grande número, se renderam à abolição da realidade em favor de neo-realidade de um modelo.
Prossigo no próximo número.
(continua)

1 comentário:

ricardo disse...

O Casamento Dos Pequenos Burgueses
(Chico Buarque)

Ele faz o noivo correcto
E ela faz que quase desmaia
Vão viver sob o mesmo tecto
Até que a casa caia
Até que a casa caia
Ele é o empregado discreto
Ela engoma o seu colarinho
Vão viver sob o mesmo tecto
Até explodir o ninho
Até explodir o ninho
Ele faz o macho irrequieto
E ela faz crianças de monte
Vão viver sob o mesmo tecto
Até secar a fonte
Até secar a fonte
Ele é o funcionário completo
E ela aprende a fazer suspiros
Vão viver sob o mesmo tecto
Até trocarem tiros
Até trocarem tiros
Ele tem um caso secreto
Ela diz que não sai dos trilhos
Vão viver sob o mesmo tecto
Até casarem os filhos
Até casarem os filhos
Ele fala de cianureto
E ela sonha com formicida
Vão viver sob o mesmo tecto
Até que alguém decida
Até que alguém decida
Ele tem um velho projeto
Ela tem um monte de estrias
Vão viver sob o mesmo tecto
Até o fim dos dias
Até o fim dos dias
Ele às vezes cede um afecto
Ela só se despe no escuro
Vão viver sob o mesmo tecto
Até um breve futuro
Até um breve futuro
Ela esquenta a papa do neto
E ele quase que fez fortuna
Vão viver sob o mesmo tecto
Até que a morte os una
Até que a morte os una

musica aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=JKvXqZboPy4&feature=related