23 março 2008

Sérgio Vieira, o fino analista (3) (prossegue)

O meu conterrâneo Sérgio Vieira, ex-ministro da Segurança, tem o olho atento do leopardo lá de Tete, do nharugwe. Vê logo tudo de uma vez, não precisa de perguntas, só conhece as respostas. Vamos lá ver o seu quadro descritivo e analítico:
1. Qual o problema? Motins a partir de 5 de Fevereiro.
2. O que se passou? Passou-se que "crianças conduzidas por um punhado de adultos bloquearam as vias de comunicação, danificaram viaturas, impediram que as pessoas se deslocassem para o trabalho, compras, escola, etc." (sic)
3. Como soube Sérgio disso? Fácil, com o seu olhar panorâmico de nharugwe: "Vi isso de uma janela dum 9.º andar com vista sobre a Rua da Resistência, a Joaquim Chissano, os Acordos de Lusaka e Angola" (sic).
4. O que sucedeu depois? Depois sucedeu que "surgiram ameaças de intimidação via sms e os distúrbios estenderam-se a Chokwé, Jangamo, Chibuto, Mandlhakaze e Xinavane" (sic).
5. Houve estranhas excepções? Sim, ouve: "Na Beira houve manifestações, mas sem distúrbios. Porquê ali sem vândalos?"
6. E depois? Depois sucedeu que "diferentes sectores da sociedade condenaram as violências e distúrbios, embora pondo em causa a subida do preço do combustível e do pão e responsabilizando o Governo pela subida do preços dos transportes semi-urbanos" (sic).
7. Houve excepções? Houve sim: "O poeta e cantor Azagaia brindou-nos com um rap incitando à violência, aparentemente a única nota discordante no coro contra a violência" (sic).
8. Mas, afinal, houve alguma motivo, digamos insensato, atrás dos "motins" e do Azagaia? Houve, sim: logo após as festas os tecnocratas termo de Sérgio) subiram o preço do pão, "artigo essencial em todas as zonas urbanas. Quando os pais se preparavam para enfrentar as despesas obrigatórias que acompanham o início do ano escolar, das sapatilhas às fardas, surge-lhes a surpresa amarga que subindo o combustível o "chapa" subiria de 50%, passando o percurso de 2 vezes 7,5MT/dia a representar para os 22 dias úteis do mês, algo superior aos 20 por cento do salário mínimo na indústria e no Estado".
9. E quando foram tomadas as tecnocráticas decisões? Resposta: Quando "uma boa parte dos governantes se encontravam em férias, mais que merecidas" (sic).
10. O que concluir? Fácil: os motins estragaram um pouco a nossa imagem, provocaram danos desnecessários, penumbraram as vitórias do governo, a da Hidro-Eléctrica de Cabora Bassa, etc. Por isso o Estado é responsável "pela mão livre dada aos tecnocratas que se sentem acima do povo" (sic)
11. Mas não houve uma mão política? Resposta: é de supor isso. Na Beira (governada pela Renamo, acrescento eu, CS) não houve motins. A coisa parece ter sido programada (sic) em outros locais.
12. Por quê? Por isto: "Pelo carácter simultâneo das acções em Maputo e arredores e pela rapidez de propagação em zonas tradicionalmente muito favoráveis ao partido que está no poder, entendo que houve coordenação e comunicação" (sic). Por isso, "Posso supor que alguma formação política promoveu a desordem, embora todas as condenassem pela via de dirigentes e representantes. Mostram-se evidentes os objectivos e benefícios num ano eleitoral" (sic).
13. O que se deve fazer doravante? Doravante devemos ser sérios, ponderados na "tomada de decisões" e nos "postos de comando da técnica" (sic).

2 comentários:

AGRY disse...

A fronteira entre a verdade e a mentira é um caminho no deserto. Os homens dividem-se dos dois lados da fronteira. Quantos há que sabem onde se encontra esse caminho de areia no meio da areia?
In Mayombe de Pepetela

AGRY disse...

Relendo este transcrição, receio que ela pode gerar ambiguidades. A intenção era bem diversa.
Os eternos detentores da verdade, aqueles que olham por cima do ombro para os que ousam questioná-los, os habitantes duma certa esquerda envergonhada, os que trocaram princípios por um simulacro e por um Poder efémero e artificial, uma espécie de prato de lentilhas da baixa politica, esses nunca perceberam verdadeiramente as aspirações dos povos. São imobilistas e panfletários. Esgotado o modelo, navegam à deriva, ao sabor das conveniências e dos interesses da tribo e do grupo.
Reféns e saudosistas duma certa concepção de Poder, musculado e policial, reagem despeitados e impotentes e disparam em todas as direcções, até no próprio pé